quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Bodas de Prata (25 anos em uma cadeira de rodas sem romance ou reflexões)

Por volta das 14 horas do dia 14 de janeiro de 1989, eu me encontrava deitado em um banco de madeira, vendo televisão, na rustica sala da casa de meus avós, na cidade de Jussara, no interior do estado de Goiás quando um grupo de meninas que queriam ir nadar, brincar e se refrescar em um riacho me chamou para ir com elas como um garoto a acompanha-las e, se preciso fosse, protege-las também.
A princípio me neguei a ir por já ter marcado um compromisso de jogar vôlei naquela tarde e não queria faltar, mas elas, as meninas, incluindo minha irmã, Angela, e prima, Nilzete, insistiram até eu concordar em acompanha-las.
Fui de bicicleta e as meninas seguiam a pé pela Avenida A até o final, quando viramos a esquerda em uma avenida com canteiro central que culminava na ponte sobre o Córrego Agua Limpa, o nosso destino. Na verdade o local da diversão ficava uns 500n metros subindo o córrego a partir da ponte, passando pela área do Canoão que tinha um lago chamado Lago das Cobras e era local de festas e parque de exposição agropecuária.
Quando chegamos ao local, uma olaria abandonada, direcionei-me para a sombra de um coqueiro, deixei lá a bicicleta, camisa, chinelos e fui a beira d’água molhar primeiro os pés como de costume. Em seguida fui chamado para brincar de pega-pega. Fizemos o sorteio para saber quem deveria sair correndo atrás dos outros e o contemplado fui eu, no entanto, antes de correr para alcançar alguém resolvi saltar de um barranco com altura de uns dois metros e meio para dentro do córrego que devia ter um metro e pouco de profundidade.
Foram três saltos de cabeça e no terceiro bati com a cabeça no fundo arenoso do Córrego Agua Limpa. O impacto fez-me desmaiar. Lembro-me, claramente, de acordar ainda debaixo d’água, boiando, tentando respirar e agonizando pela falta de oxigênio tentava também gritar por socorro e desmaiei pela segunda vez. Acordei mais uma vez e mesmo afogando lembrei de um cano que atravessava o curso da agua, tentei me segurar, não consegui e morri.
A parte que segue agora me foi contada por minha irmã e minha prima e eu digo que não cabe julgamentos ou culpas aqui.
Segundo elas, eu boiei por mais de 100 metros e elas pensavam que eu estava brincando quando se preocuparam com a demora de meu corpo emergir, então correram ate o cano que citei, minha irmã entrou na água e me resgatou completamente roxo, verificou meus sinais vitais e estava sem respiração ou batimentos cardíacos.
Houve desespero e ninguém queria se aproximar do corpo.
Minha irmã prestou os primeiros socorros com respiração boca a boca e verificava o coração até que vomitei bastante água, os batimentos cardíacos voltaram e renasci.
As meninas correram até um laticínio próximo pedir ajuda para me transportar para o hospital e um dos caminhoneiros fora ajudar mesmo que relutante. Ele também não quis se aproximar de mim e minha irmã e minha prima me colocaram sentado dentro de uma caminhonete de transporte de latões de leite.
Durante o percurso do local de resgate até o hospital eu ouvia chamarem por meu nome e ouvia choros também.
Segundo minha prima Nilzete, eu respirava com dificuldade e quando piorava chamavam por mim e a Angela fazia a respiração boca a boca da forma que podia.
Finalmente chegamos ao Hospital Municipal de Jussara e enquanto me carregavam, segurando nos braços e pernas para dentro do hospital, recobrei parcialmente a consciência e me vi deitado em uma maca, sem movimentos ou sensibilidade do pescoço para baixo enquanto um médico me espetava com agulhas e perguntava se eu sentia algo.
No período em que fiquei no hospital várias outras ações aconteciam.
Um primo de nome Donizete foi de moto em uma fazenda distante 36 quilômetros para dar a dura notícia a minha mãe, enquanto outros buscavam um transporte para me levar para Goiânia e lá ter um melhor suporte de atendimento até que conseguiram uma Caravam verde de propriedade da mulher do prefeito.
Eu deveria ser levado a Goiânia o mais rápido possível, segundo os médicos, e precisava de um acompanhante maior de idade e com condições de auxiliar caso algo ocorresse durante a viajem.
Fui colocado, deitado, na parte traseira da Caravam, ao meu lado um cilindro de oxigênio e a companhia de uma amiga chamada Alaydes que havia cursado enfermagem sempre dizendo: Não durma, Angelo! Fique acordado!
A viajem fora longa, levando-se em conta que Goiânia fica há 200 quilômetros de Jussara e quando chegamos em Goiânia já era noite, em um pronto socorro que não lembro o nome, adentramos um hospital e improvisaram um colar cervical de papelão que colocaram em mim.
Eu sentia muita dor nos ombros e pescoço. Nos serviram um jantar e eu sequer conseguia mastigar um caroço de feijão devido a dor. Foi uma das noites mais longas de minha vida.
No amanhecer do dia seguinte fui levado para outro hospital, onde fizeram um exame de ressonância magnética e ali se contataria que nunca mais eu voltaria a andar, que seria pelo resto da vida tetraplégico e que teria como companheira uma cadeira de rodas.
Fiquei nove dias em uma UTI e minha mãe me visitava todos os dias. Eu tinha medo e achava que morreria ali mesmo quando nas manhãs destes nove dias vi nove corpos sem vida saírem da UTI sem vida.
No nono dia os médicos resolveram me transferir para um terceiro hospital chamado Santa Mônica para fazerem uma cirurgia na coluna que eu não queria fazer e pedi a minha mãe que me levasse para Brasília e minha mãe e meu pai, mesmo sem condições financeiras e contra a vontade dos médicos alugaram uma ambulância e me levaram de volta para Brasília.
O que mais recordo da viagem é meu pai molhando meus lábios com um paninho para matar minha sede.
Chegando em Brasília fui levado para o Hospital Universitário de Brasília, o HUB, e ali passei uma noite na companhia de meu pai que não dormira um minuto.
Na tarde seguinte recebi a visita de amigos e logo em seguida fui transferido para o hospital Sarah Kubistchek onde fiquei internado por 18 meses, passei por 3 cirurgias e finalmente perguntei aos médicos se voltaria a andar e a resposta fora negativa.
Realmente eu nunca mais voltaria a andar e hoje, 14 de janeiro de 2014, completam-se 25 anos sem andar, sem sentir nada da clavícula para baixo, sem poder ir ao banheiro sozinho.
Esses 25 anos chamo de bodas de prata e celebro com minha prima Nilzete, minha mãe Maria e minha irmã Angela e celebro a memória da Alayde que morreu vítima da Aids, a memória do Donizete, vítima do alcoolismo e a memória de meu pai, Homero Valério de Oliveira, que sofrera um acidente idêntico ao meu e falecera no ano de 1997, mas esta é uma outra história.

Até a próxima,

Angelo Márcio.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Alguns privilégios (prévia de bodas de prata)

Existem momentos em nossas vidas em que duvidamos de tudo, dispondo ao descrédito quase irremediável até mesmo as vitorias mais significativas e neste momento, exatamente neste momento, as pequenas coisas tomam proporções incríveis e também exponenciais. Um exemplo claro é receber um não de quem amamos; um não circunstancial que outrora fora corriqueiro assume contexto de término de relacionamento, final de amizade, de amor, em fim, final de vida.
Este é um início dramático e sei bem disso, no entanto, não reflete em nada como me encontro emocionalmente agora e sim como estive diversas vezes e, evidentemente, saí deste estado ferino diversas vezes.
Pode soar irônico, mas a ideia de início depressivo veio imediatamente após o privilégio que tive de ser único expectador da bela melodia do canto de um canário do cerrado que pousara próximo a mim depois de dois sobrevoos.
Aquele pequeno canário liberto e majestoso fez-me sentir tão livre quanto ele, sem que um pensamento destrutivo habitasse minha cabeça e me perguntei como aquela criatura pequena e frágil conseguira tal feito.
Confesso ter repensado quase a vida inteira, confesso ter relembrado dores e docilidades vividas, recebidas e também por mim proporcionadas. Repensei também meu acidente e minha tetraplegia que no dia 14 de janeiro deste ano de 2014 completarão 25 anos, mas deixarei as bodas de prata para outra oportunidade e volto ao canário libertador.
Continuando, no meio das reflexões, percebi que a liberdade sentida veio do amadurecimento e experiências que somente ao tempo pertencem. Nós não controlamos o tempo e contrariando o que diz o poeta Renato Russo em sua música “Tempo Perdido”, não temos todo o tempo do mundo, todavia, agora em concordância, “temos nosso próprio tempo”, temos uma única vida e na verdade, ou melhor, em minha verdade, temos sim é o poder de eternizar todos os momentos da vida para fazê-la completa, repleta de adereços, imagens e histórias a serem compartilhadas, pois guardar histórias é matar e morrer aos poucos e o esquecimento é a mais sofrível das mortes.
A apresentação solo do nobre canário durou poucos segundos e é exatamente de segundos que precisamos para escolhermos sermos felizes ao nosso modo ou tristes, também ao nosso modo e, em hipótese alguma, podemos culpar alguém por tristezas ou eleger um outro alguém como o detentor de nossas alegrias perenes.
Falando assim parece que dou à vida um ar de egoísmo, de que devemos viver sem dar a importância devida àqueles que nos cercam. 
Enganam-se! Lembram-se da palavra compartilhar? Pois é... A vida, a felicidade, a vontade de mudanças devem ser compartilhadas como um tesouro e não entregues como quem a um ladrão entrega sem resistir seus bens mais preciosos. 
Mas calma! E o amor? Apresento-lhes a única exceção. Somos aqueles que amam, e sim, também somos amados e quando compreendermos minimamente o quão a vida e o amor são unos nós...
Não posso continuar por não ter tamanha sabedoria para compreender a unidade entre vida e amor. Sei apenas que sou um privilegiado por viver e amar intensamente e mais nada.
Caso alguém venha a se perguntar como um simples canário conduziu-me a tais reflexões responderei de imediato com outra pergunta:
Quantas vezes você parou ou teve o privilégio de ouvir, de perto, um pássaro e sua melodia a encantar olhos, ouvidos e alma?

Até a próxima,

Angelo Márcio.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Fim de ano

Sou daqueles que percebem mudanças típicas de final de ano com uma certa melancolia, rispidez e uma questão:
_Por que esperar tanto?
Estamos permitindo que o depois vigore sobre o agora e isso, meus caros, é fatal.
A cada dia que passa, por motivos diversos, a capacidade nata de mirar e viver alternâncias marcantes vem sendo substituída por uma vontade vazia de sermos apenas expectadores e assim observar, apenas observar para, a duras penas, no depois, chorarmos perdas irreparáveis sem possibilidade de retorno.
_Como eu queria que o tempo voltasse!
_Sinto muito, mas sua chance se perdeu em sua inércia, dormência... torpor.
É claro que essa não é uma verdade completa e mentira também não é, pois não há muito ou pouco tempo para dos amores, amizades, dores e esperança trazer para si intensidade de vida.
Assim, humildemente, peço a mim e a vocês:
_Vamos viver com intensidade e verdade todos e quaisquer momentos desta história que é nossas vidas!
Aqui releio o texto e começo a sorrir para as surpresas que hão de vir e do quanto vivo tudo o que critiquei, do quanto já vivi e o que vivi, mas quero mais, muito mais e serei feliz, ou melhor, seremos FELIZES.
Tenham um belo final de ano e até a próxima!

Angelo Márcio

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O tempo que não temos

Nos últimos dias a frase “Não tenho tempo” e outras semelhantes têm se tornado uma constante. É como se de uma hora para a outra a vida se pautasse por medidas temporais, as amizades precisassem ser agendadas e os amores tratados com prazos limitados.

Imagino agora um amigo que precisa muito conversar marcando para sete dias depois o papo e questiono: É uma amizade? Aprendi que amigos verdadeiros não fazem este tipo de coisa. Para estes para-se tudo e que o mundo, tempo ou questões pessoais sejam deixadas de lado. Mas não! A cultura do total do desapego tem tempo de agir e pessoas solitárias de outras e de si mesmas agonizam em sua solidão, arrogância, medos e ansiedades.

Ficar só tornou-se “cult”. Que coisa medonha e mortal.

A cada dia que passa, e os dias são medidas temporais, observo amores contratuais e a amizade não deixa de ser um amor.

Digo amores contratuais porque tudo tem que ter data e horário para acontecer. Imagino agora o sofrimento do pobre romântico, desesperado por não saber se é certo ou não romper com o contrato ou, em nome do amor, arriscar surpreender sua amado em um momento diferente do habitual. É desumano!

É isto! Hábito.

O amor e a amizade estão deixando de serem naturais, simples e prazerosos para serem conduzidos a um algo habitual e rotineiro  que se não funcionar, muda-se ou descarta-se.

E quando esta realidade chegar a um ponto sem volta, haverá tempo para mudar esta cultura?

Enquanto tenho tempo para escrever, quero fazer um pedido: Sacrifiquem o tempo e não aqueles que amam vocês!

Até a próxima!
Angelo Márcio

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Um dia de sonhos

Desde ontem venho celebrando um aniversário que iniciou no dia em que nasci. E nasci várias vezes. Assim como também me reinventei em incontáveis momentos sem perder a essência de quem sou.
Estranhamente, esta noite sonhei que estava andando e era em um contexto já passado. Digo estranhamente porque tem meses que não sonho estar andando ou talvez, como afirmam os especialistas, apenas não lembre sempre, pois sonhamos todas as noites.
Percebo agora que o texto está me conduzindo como barco à vela em ventos calmos para mares diferentes, mares não navegados, próximos ou inalcançáveis fisicamente. Os mares dos sonhos. Sonhos realizados ou guardados no íntimo como quem esconde falhas para aparentar ser melhor.
Às vezes julgo, em minha lucidez incoerente­­­­­­ que sonhar é fugir da realidade, mas hoje não. Hoje sentencio que sonhar é iluminar a realidade com os holofotes das verdades contidas pelo receio de parecer infantil.
Quanta idiotice ter medo de ser infantil sendo a infância a melhor fase da vida.
Em um outro às vezes, acho que sonho mais acordado que adormecido. E é estranho porque pareço estar fugindo para um universo onde tudo acontece dentro de uma linha sem falhas, não tortuosa, enquanto do outro lado, o lado do real e palpável, a dor é mais aguda e o sangue mais vermelho, assim como o gozo é mais intenso.
Sonho sempre que estou andando por achar que tudo é mais fácil para os caminhantes e dentro desse todo vêm saudades do simples e claro que o complexo não ficaria de fora.
Tenho saudade de sentir a textura da areia sob os pés, saudade de sentir nas mãos o calor que emana... Chega! Mesmo sendo feliz, tentar elencar as saudades faz-me chorar em dia de festa um choro de perda e não de vitória.
Confesso confuso entre o real e o sonho estar assustado neste dia em que completo 40 anos. Assustado pela responsabilidade de ter vivido tanto, assustado por ter esquecido tanto e assustado por não saber o que o futuro me reserva.
Assim agarro com minhas mãos de dedos atrofiados, com um sorriso infantil, a esperança de que muito de bom há de vir e de ruim...
Ah! Quer saber? Que venham novos dias, aventuras, pessoas, sol, chuva, VIDA e uma pitada de qualquer coisa porque quero é viver, sonhar e realizar.

Até a próxima,


Angelo Márcio.
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