sábado, 29 de maio de 2010

Partilha social

Croicadeficiente social As amizades construídas, bem como as mantidas antes e após meu acidente têm importância sempre extraordinária, pois conduzem meus dias para além da companhia dessas pessoas que amo e alavancam minha vida direcionando-a para ações que nunca imaginei executar.

Ação demonstra mobilidade e mobilidade é o que mais falta em um deficiente.

Vou deixar de tanta introdução e ir direto ao assunto.

Fui convidado por um grande amigo paraplégico, que é uma das pessoas mais corajosas que conheço, a ajudá-lo com um trabalho social junto a jovens de escola pública, com apoio da direção, claro, e em conjunto com outros padrinhos e madrinhas de turmas com as quais poderão conversar, conhecer e ajudar conforme as necessidades.. Ah! É assim que nos chamam: padrinhos ou madrinhas.

A escola sofre de um mal crônico que afeta a maioria das instituições de ensino das periferias brasileiras: A descrença na juventude e da juventude em si e em suas capacidades dando ares nebulosos à sua visão de futuro e transfigurando sonhos em pesadelos.

Mas podemos observar um princípio de mudança, pois a proposta partiu da própria diretora que acredita e quer melhorias sociais e afetivas para os estudantes.

Devido à gripe maldosa que ainda me assola, não pude acompanhar meu amigo em seu primeiro contato com esses alunos, mas, assim que o fizer descreverei para vocês, amigos e leitores, o desenrolar de mais este desafio.

Ao ser convidado para este valioso trabalho posso dizer que não pensei duas vezes para aceitar. Sim, somos limitados fisicamente, mas ao sermos convidados, meu amigo e eu, em momento algum houve dúvidas ou avaliações quanto a nossa condição de deficiente.

O que quero dizer com isso?

Quero reafirmar que todos são capazes de realizar ações importantes, independente de condições físicas, mas sendo coerentes, sendo realistas e, sobretudo, assumindo a condição de desafiadores de limites para assim saber com propriedade até onde se pode chegar.

Será que é possível saber?

Até a próxima!

Angelo Márcio.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Gripe X Tetraplégico

CRonica deficiente gripe Inimiga feroz de qualquer um, mas ela, a gripe, parece ter uma mira à espera específica das fragilidades de um  tetraplégico. Com ela a palavra misericórdia é inexistente e substituída por expressões como: Sofra! Espirre! Tenha febre! Bem que poderia ser tenha fé, mas não, este vírus mutante e sem combatentes eficazes somente pode ser vencido pelo cansaço e cansa mesmo. Sem contar a canja de galinha.

Imagino, com medo, se uma gripe comum causa estragos o que me dirão o pavor diante do zoológico a surgir como sobrenome, é: suína, franco e nem quero saber de outros.

A maioria dos tetraplégicos tem em comum, dentre outras coisas, um frio ou calor intenso e uma dificuldade respiratória incômoda causados pela altura da lesão ou por uso da invasiva traqueotomia. Um tubo inserido em um buraco no pescoço, em um local que muitos chamam de “gogó”, para ventilar e permitir, ou melhor, induzir e melhorar a pouca respiração. Descrevo assim, meio reticente e temeroso porque não cheguei a necessitar de traqueotomia.

Meu maior temor quanto aos sintomas ou males da gripe é a tosse exatamente pela pouca ventilação pulmonar, pois... Tentarei explicar melhor assim:

Minha respiração é completamente “diafragmática” e o diafragma é muito exigido. Para perceberem este tipo de respiração que todos temos basta observar uma criancinha dormindo, pois poderão ver sua barriguinha subindo e descendo ou um cantor quando aparece o mesmo e não uma expansão visível dos pulmões. Como não sou criancinha mais – que pena – e, nem cantor para alívio dos ouvidos mais próximos, espero ter me saído bem.

Quando deitado, a própria força da gravidade ajuda a pesar sobre o músculo fazendo com que o ar saia com mais força e leve consigo as secreções causadas pela tosse, no entanto isso ainda pode ser pouco e nós, tetraplégicos, podemos precisar de uma mãozinha. Essa mãozinha se dá por meio de uma pequena pressão sobre o diafragma e tem horas em que até parece massagem cardíaca. Minha mãe já é craque, porém espero demorar muito a fazer uso desta massagem em minhas terapias.

Quando sentado a maldade da gripe faz par com a debilidade vinda com a lesão e o dueto canta e dança. Enquanto acontece esta festa um tetra sofre e muito. Sentado a pressão sobre o diafragma diminui consideravelmente e o ato de tossir se torna ato heróico. Muitas vezes respiro fundo e lanço minha mais forte tosse e tem gente que nem ouve. Imaginem a força! Mas o pior ainda está por vir. Por estar sentado e sem força para tossir a secreção pulmonar vai aumentando até o ato de respirar passar a inspirar um pouquinho de oxigênio e é algo agonizante. Se chegar a este ponto o melhor a fazer é manter a calma, já que para gritar por socorro precisa-se de muito ar, deitar ou por o tronco para frente para ventilar e sair da agonia.

É assim que ocorre comigo. O que não posso afirmar é que todos os tetraplégicos passam por isso. Realmente espero que não.

Agora uma “ironia do destino” que, com a licença de vocês, chamo de sacanagem mesmo.

Todo ano tomo a vacina para a gripe sazonal e já havia uns sete anos que gripe tão forte não me acometia.

Pois bem, numa segunda-feira começou a campanha de vacinação e na manhã seguinte, terça-feira, eu estava completamente gripado sem poder ir para a escola e honrar compromissos.

Não é sacanagem? (risadas) E fujam da gripe, tetras e não tetras, se puderem!

Até a próxima!

Angelo Márcio.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Curiosidades

Cronica deficiente curiosidade Estranho! Não existe a palavra tetraplegia no respeitadíssimo dicionário Aurélio. O que trouxe ainda mais curiosidade sobre esta palavra que, por vezes, lembra número de títulos ganhos em esportes como tetracampeão, tetrarecordista (essa eu inventei), mas chegou a dar coceiras e fui no Houaiss e nada encontrei. Até que cheguei ao Michaelis e, depois de até nutrir dúvidas, encontrei a palavra tetraplegia com o seguinte significado: “sf (tetra+plego+ia) Med Paralisia de todos os quatro membros, quadriplegia”.

Após toda esta busca, significado tão conciso e pouco explicativo deixou-me um tanto quanto decepcionado, pois sim, há a paralisia, no entanto ela não precisa ser completa. Qualquer falta de movimentos nos quatro membros pode ser considerado tetraplegia, pois de alguma forma os sinais nervosos emitidos para aqueles membros, após passarem pela coluna vertebral, estão sendo bloqueados por alguma lesão.

Não sou médico. Bem que gostaria de ser. E por não ser é que previno para não utilizarem os conceitos aqui como verdades científicas. Será mais prudente manter a inevitável licença poética e curiosidade que hoje é implacável.

Bem. Encontrei o que buscava e não foi o suficiente.

Quando li a separação silábica desta forma: “tetra+plego+ia” que me parece latim, passei de buscar significados, até por saber na pele, ossos e um pouco a mais, a buscar a etimologia desta palavra de som agradável: te-tra-ple-gi-a.

O prefixo “tetra” foi bem fácil, pois faz relação direta com o número quatro e são quatro os membros afetados. Foi necessário dar um salto para o sufixo “ia” que é muito utilizado na composição de palavras relacionadas com a ciência, por exemplo.

Por que saltar o meio? Por que saltar o que no dicionário Michaelis fora descrito como “plego”?

Porque neste meio de substantivo que, por vezes, torna-se adjetivo. Sim! Uma qualidade em meio à observância de tantos defeitos, fiquei imobilizado, estático por não encontrar o significado, literalmente paralisado e sem opções momentâneas. O que não quer dizer que desistirei aqui. Apenas beberei de outras fontes para saciar esta sede de conhecimento, pois escrevia este texto, pesquisava ao mesmo tempo e um dia escreverei aqui, mesmo em nota curta, tudo o que descobrir.

Nestes 21 anos de lesão assumo que nunca tentei encontrar os significados literais de muitas palavras novas que começaram a me acompanhar desde o início desta nova vida, desde o dia do acidente, mas sempre, por formação, pesquiso quase tudo o que traga curiosidade e peço para que os jovens com quem trabalho em uma comunidade católica procurem fazer o mesmo com as questões que à eles pertençam. Não custa nada e há ainda aqueles que optam pela ignorância por acharem o conhecimento demasiado pesado.

Ao falar de adjetivos ou qualidades uma realidade muito vista veio à mente ao pensar que somos seres fisicamente perfeitos imperfeitamente instruídos a enaltecer primeiro os defeitos ou erros para depois, bem depois, darmos notas curtas quanto às qualidades ou acertos.

Um homem pode cometer mil erros e seu nome será eternizado quando cometer o primeiro acerto.

Outro homem pode cometer mil acertos e seu nome será eternizado quando cometer seu primeiro erro.

Salvo as exceções, será que realmente é assim ou estou exagerando?

Até a próxima!

Angelo Márcio.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Vivendo e aprendendo

pare Sempre tive o hábito de ficar no portão de casa a observar a rua e o que nela acontecia. Via as crianças a andarem de bicicleta, brincar de bola, como realmente devem agir as crianças. Também via os adultos. Alguns também a brincar e outros a voltarem de suas jornadas de trabalho. Eles sempre me cumprimentavam e hoje também.

Porém, um dia, algo estranho aconteceu. Ao menos foi estranho para mim.

Era tarde de outono, eu no portão, meu pai sentado na área de casa em uma cadeira com forro de pano, nosso cachorro em sua casinha a olhar-me e, sem que eu percebesse um homem se aproximou. Ele tinha em mãos uma nota – dinheiro – que hoje equivaleria a algo como cinco reais, dois dólares talvez..

Bem. Eu não tive tempo de reagir, ou melhor, sequer eu soube como reagir.

Certamente aquele homem não teve a intenção de me ofender e nem deu tempo de eu pensar se era ofensa ou não em meus julgamentos, pois por mais que eu seja esclarecido, às vezes racional até demais, naquele momento, naquele breve momento, senti-me absolutamente sem saber o que fazer ou dizer. Perdi as armas e se, como afirmou o bom velho Newton que “toda ação requer uma reação de igual intensidade”, neste caso não se aplicou. Não posso esquecer que é uma lei da física e não de relações sociais.

É chato pensar que alguns membros da sociedade julgam os deficientes tão incapazes ao ponto de aliar deficientes com pedintes exatamente por erroneamente pensarem, de forma generalista, que os deficientes nada podem fazer em favor da sociedade, pois, mais uma vez erroneamente, julgam que a única contribuição coerente é a financeira.

E a Vida? E o Intelecto?

Aqui quero dizer que não estou julgando os pedintes. Mesmo aqueles que nos enganam, pois como eu já dissera antes cada um vive sua vida conforme quer ou conforme as situações que lhe são impostas e o fato de um homem me dar esmola me fez pensar e sentir o quanto a dignidade humana é ferida; o quanto deve sofrer um pai que se vê obrigado a pedir um pão para não comer e oferecer aos filhos depois de ter sido execrado por aqueles que se julgam socialmente justos.

Até a próxima!

Angelo Márcio.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Às Mães

Flor by Renata Barbosa É tarefa árdua adjetivar pessoas tão próximas de humanidade perfeita. As MÃES.

Se o mundo inteiro tomasse a decisão difícil de parar com os trabalhos, cursos, estudos e olhos grudados nas televisões e suas histórias fictícias seria presenteado com uma aula de vida e AMOR ministrada por mestres maternos com formação rica e especial. As MÃES.

Não há como distanciar MÃE de AMOR e se há alguma que foge do padrão. Exatamente! Por mais que a diversidade impere as vitoriosas MÃES seguem um padrão que se insere no AMOR, essas também não estão distantes deste AMOR.

Sabe, queridos leitores, hoje não quero me preocupar com regras de português ou redundâncias, quero permitir liberdade às mãos, usar frases feitas... Será que ainda é possível criar novas frases de AMOR para as MÃES? Este seria o concurso mais difícil para a humanidade: Crie uma frase nova de AMOR às MÃES.

“O AMOR é fogo que arde sem se ver; é ferida que dói e não se sente; é um contentamento descontente; é dor que desatina sem doer”. Será que Camões escreveu pensando nas MÃES? Quem poderá saber?

Um dia, há anos atrás, um velho amigo estava a palestrar sobre família e, com voz suave, pediu para que os presentes fechassem seus olhos. Naquele instante de silêncio percebi que se configurava um momento para as MÃES. E acertei. A lembrança mais concreta foi quando ele pediu para que imaginássemos o rosto de nossas MÃES; Para que aproximássemos imagem tão viva e acalentadora ao ponto de olharmos nos e os olhos de nossas MÃES; depois pediu para que percebêssemos as rugas localizadas ao lado dos olhos delas com a seguinte questão: _Por quantas destas rugas sou responsável?

Esta questão e reflexão até hoje me perseguem. Não com culpa. Aprendi a olhar para minha MÃE – nos olhos – e por eles tentar desvendar alguns segredos. Isso mesmo! Tentar a missão impossível de desvendar, descobrir, não algo a mais, mas algumas das coisas que AMORosamente as MÃES escondem para não sofrermos ou sermos afligidos por temores temporais.

Outro dia ouvi no meio de uma música do Renato Russo, ele gritar: _”Quem AMA não pode sofrer!” E pensei assim: Sendo o AMOR um algo desconhecido e ao mesmo tempo reconhecidamente perfeito, reitero o início ao afirmar que MÃES são os seres mais humanos na essência da perfeição que é o AMOR.

Elas não são nem as rosas ou perfumes líquidos, são o frescor aromatizado que fica no ar e é perceptível em breves suspiros por intermináveis momentos.

Agora, com olhos repletos de lágrimas, relembro o dia em que disse pela primeira vez, que AMAVA minha mãe. Fora um dia...*

Perdoem-me! Já não consigo mais escrever.

Perdoem-me! Ainda estou aprendendo a amar!

_Mãe, eu te amo!

_Mães, nós amamos vocês!

Até a próxima!

Angelo Márcio.

*Por favor, leiam o post UTI que entenderão porque parei o texto tão repentinamente.

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