quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Sem palvras

Após seis longos meses sem publicar novos textos, celebro o dia de hoje como um retorno calmo e repleto de significados, pois em seis meses uma vida inteira pode ser contada e, nesses poucos dias, uma vida de diferentes atos, sensações, vitórias e derrotas fora vivida.
 
Em cada crônica deficiente, dentro de uma sensibilidade particular, transito em reais acontecimentos sob uma ótica de quem vive as dificuldades inerentes a tetraplegia e, evidentemente,  também as descobertas da nova vida disposta na alma, corpo e intelecto.
 
Tenho amado e assumido o quanto amo muito mais que antes; tenho superado barreiras pessoais e interpessoais; tenho realizado sonhos que julgava serem possíveis somente se andasse. Na verdade, tenho vivido intensamente meus dias que, às vezes, vejo-me diante do inusitado e difícil... Um sorriso surge e vou em busca de novos desafios.
 
Nos últimos dias, sinceramente, relutei em retornar com o Uma Crônica Deficiente e confesso que quase fechei o blog. Por que? Até hoje me questiono e não obtive respostas.
 
Dias intensos e também tensos.
 
Em dias assim a alternância de sentimentos e tudo mais que completa a vida toma proporções descontroladas. Por mais que tenha os pés no chão há a vivência do não saber como agir e volto a ser criança. Mas uma criança adulterada pelas certezas incoerentes da fase adulta.
 
Exemplo:
 
Crônica de um parágrafo
 
Noite de festa com parque, roda gigante com desenho de estrela formado por lâmpadas, sons misturados e característicos de festas interioranas levaram minhas lembranças para a infância e mantém meu corpo inerte na atualidade. Numa dualidade de percepções que fazem das lágrimas companheira constante no gozo, na dor e no torpor de um instante de sonho.
 
É bom estar  de volta!
 
Até a próxima,
Angelo Márcio.

terça-feira, 22 de março de 2011

Uma noite de carnaval

carnaval cronica deficiente É extremamente fácil comparar e fazer com que a palavra carnaval se torne adjetivo e substitua palavras como alegria e festa.

E foi em um dia de carnaval, mais exatamente uma noite de carnaval, noite quente, de pouca brisa e absurdamente convidativa para sair da quietude e se deixar conduzir por pessoas queridas pelas avenidas de uma cidade interiorana, onde os sorrisos eram como apelos para que, naquela noite, o julgamento muitas vezes imposto por mim em virtude da deficiência fosse então passível de absolvição. E o juiz da consciência bateu o martelo e disse: Liberte-se!

A avenida ornada por grandes palmeiras que há muito tempo atrás eu conseguia tocar suas folhas com a mão, naquela noite eram moldura primária de um quadro composto por pessoas que se querem bem.

Primeiramente, era visivelmente necessário que parássemos em uma sorveteria no intuito de amenizar o calor e, claro, conviver, conversar, sorrir e apreciar como nunca a companhia uns dos outros enquanto nos deliciávamos com picolés e sorvetes. Ao final desta festa gelada observou-se um silêncio. Este era o momento em que eu realmente decidiria se iria ou não ao baile de carnaval, pois mesmo feliz ainda havia dúvidas, no entanto, lembrei-me que a mãe das preciosidades que haviam me tirado do marasmo, um dia antes afirmara que suas filhas somente iriam ao baile em minha companhia. Sendo assim olhei para elas e perguntei como quem afirma se queriam ir e é fácil concluir que a resposta fora afirmativa. Quatro belos sorrisos que diziam sim.

Isso não quer dizer que tenha ido por obrigação. Não! Muito pelo contrário! Eu não perderia a oportunidade de estar com quem quero bem em dia de alegria. Se perdesse seria, com o perdão da expressão, um idiota.

Fui conduzido então até o local do baile. De longe era possível ouvir a música e também ver as luzes e o colorido típico de festas carnavalescas; para adentrar o local, passamos por um caminho que dividia dois lagos sendo o da direita mais antigo e o da esquerda muito próximo de onde eu sofrera o acidente, onde iniciei uma nova vida.

Foi impossível passar por ali e não lembrar o dia em que deixei de sentir e movimentar boa parte de meu corpo.

Havia jovens, famílias inteiras e a sensação de liberdade fazia com que a imobilidade fosse momentaneamente esquecida e a insensibilidade substituída por uma vontade sensível de ser feliz, de estar feliz e de proporcionar felicidade também àquelas jovens, preciosas jovens, que amavelmente me faziam companhia. Naquele momento elas nem imaginavam o quão grande e importante havia se tornado uma singela ida a um baile de carnaval.

Em dado momento uma delas veio até mim, com olhos brilhantes, para perguntar se eu me importaria em ficar um tempo sem companhia para que pudessem andar um pouco, ver a banda de perto, encontrar amigos, em síntese, fazerem o que a juventude deve fazer – divertir-se. Minha resposta foi tranquila e objetiva ao dizer que poderiam ir, ou melhor, que deveriam ir.

Sem que eu pedisse, sempre voltavam para saber como eu estava, ficavam um pouco e retornavam a viver sua juventude em festa.

Enquanto estava sozinho, em tese, fora possível ali refletir sobre a importância de querer e poder viver ao lado daqueles que amamos.

Um detalhe: Chegamos em casa às três horas da manhã.

Até a próxima!

Angelo Márcio.

terça-feira, 1 de março de 2011

Quem continuará meu legado?

cronica deficiente flor cacto Essa questão surgiu alguns anos atrás quando a possibilidade de sair de casa era bem maior e o número de pessoas fisicamente próximas também era maior. Era um tempo em que distâncias variadas eram superadas sem lamúrias para a simplicidade de reunir amigos em um almoço, por exemplo. Não havia tantos empecilhos como hoje e agora é possível perceber o que antes se anunciava... As coisas mudam.

O dia em que a questão sobre legado fora levantada eu estava só com meus pensamentos e, para alguém estar só é necessário que antes tenha estado em companhia agradável, ou do contrário, apenas fora cumprimentado. E este não era o caso. Eu havia passado a tarde inteira a conversar com a conversar com uma pessoa incrível que saía de sua casa, distante três quilômetros, para visitar-me e eu sempre retribuía com o auxílio de meus amigos.

Passaram-se anos e pensei ter esquecido a preocupação com a continuidade de algo que tenha iniciado. Talvez um pensamento despreocupado também, mas ultimamente, no alto de meus 37 anos e bastante afetado pela tetraplegia o instinto paternal inerente mostra-se sem pudor e traz consigo outra vontade além de andar novamente: A vontade de ser pai.

Mesmo sabendo que um tetraplégico pode ser pai, principalmente com auxílio da ciência moderna, o que seria de felicidade inimaginável, seria suficientemente completo ter apenas alguém a quem pudesse um dia chamar carinhosamente de filha ou filho.

Assim posso afirmar que a cada dia compreendo melhor que na simplicidade posso encontrar um mundo de perfeições invisíveis a muitos olhos cegos por opção.

Até a próxima!

Angelo Márcio.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Olhar além – Ir além

cronica deficiente alem No ultimo dia 14 de janeiro foi o aniversário de 1 ano do Uma Crônica Deficiente e também a soma por vezes indigesta, porém assumida com vontade incomum de 22 anos de tetraplegia. A expressão “incomum” hoje adquire, não a diferenciação de nomenclaturas ou estado físico, mas uma reflexão do quanto o diferente assusta, faz com que atitudes inaceitáveis sejam postas em prática e agora saio do meu mundo egoísta para ter proximidade com outras realidades.

Dois jovens que sorriem na vida e contam histórias que provocam risos, por um momento, relataram dores e feridas abertas em suas infâncias que até hoje marcam suas curtas trajetórias até o momento – ainda vão viver muitas histórias.

Eles não aprofundaram e nem eu quis provocar esta atitude, pois a liberdade é doce e aquele que impõe perde-se por não compreender a violência de seus atos.

E foi assim que em poucas palavras um jovem que nascera com dificuldades para respirar, uma má formação no céu da boca e lábio superior que obrigaram a tratamento e cirurgias questionou-me quanto a preconceito e, logo em seguida, a jovem de tranquilidade invejável e disposição constante de estender a mão fez coro na questão preconceito.

Peço perdão aqui por não saber denominar as deficiências destes jovens, mas continuarei com cuidado.

Os dois foram diretos ao afirmarem que sofreram muito na época escolar, principalmente nos primeiros anos. O que era para ser uma época de descobertas, de inserção social e de aumento do conhecimento os levou a anos de apelidos indesejáveis e de violência em suas vidas. Não me refiro à violência física, mas àquela que traz tanta dor quanto o que nos faz sangrar.

Assim imagino o isolamento causado e contemplo suas vitórias em poucas palavras. Isolamento este que em seus resquícios ainda aflora no relacionamento com a sociedade.

Em dado momento surgiu a expressão: “Até mesmo a professora me sacaneava e induzia os alunos”.

Neste caso, em específico, foi movida uma ação de pedido de indenização que fez com que a professora pedisse desculpas e, também, para que o processo não continuasse e além de pagar indenização ela, a “mestra”, não perdesse seu emprego. Bem, a bondade do coração da mãe descontinuou o processo e não me atrevo a julgar sua atitude.

Em outro detalhe fora revelado que era necessário, literalmente, lutar contra as perseguições, não para se impor, mas para defender-se daqueles que diante do que não reconhecem como comum recorrem ao ataque.

Sim! Durante e depois da conversa, sorrisos que só tem quem vence fizeram-se música e ilustração perfeitas.

Agora questiono:

_Até quando, deficientes ou não, necessitarão passar tal violência vinda do preconceito e também provar dia por dia suas capacidades desacreditadas por ignorância?

_Até quando?

Até a próxima!

Angelo Márcio.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Um ano não e uns dias

cronica deficiente um ano Há um ano atrás, exatamente no dia 14 de janeiro, fora publicado aqui o primeiro texto com o título de “Uma Crônica Deficiente”, com as reflexões que conduziram à criação do blog e celebração de vida.

Um ano se passou e muito do que propunha, sonhara, quisera e, também por que não, do que não desejara ocorreu. Estudei, diverti-me, fui a festas, trabalhei, amei, chorei e assim celebrei a vida dentro de uma margem de limites que a cada conquista aumenta a visão de horizontes.

Se o blog faz aniversário, fatalmente minha deficiência também faz; e neste mesmo contexto tudo o que é composição de vida também faz aniversário em uma festa de 365 dias e 6 horas que não podem ser esquecidos.

O tempo é precioso!

Passamos boa parte de nosso tempo reclamando que não temos tempo e deixando de fazer o que queremos; deixando de estar ao lado de quem amamos usando uma desculpa incoerente, pois somos nós que fazemos nosso tempo e, também por uma ingenuidade disfarçada, nos dispomos como reféns deste “pouco tempo” que temos e assim vamos nos perdendo sem muita opção ou caminho de volta.

Neste um ano aprendi mais e com mais pessoas também.

Aprendi, ou melhor, reaprendi a celebrar a vida em família.

Aprendi a externar mais o que sinto e a dizer a quem quero bem o quão é importante e a viver o que digo.

Aprendi, consegui amar verdadeiramente e a dizer que amo.

Aprendi muito mais...

Tudo o que foi escrito, descrito e relatado aqui sempre teve alguém que impulsionasse sem que seus nomes fossem revelados, até para dar liberdade a quem lê de poder se colocar como personagem.

A estes “alguéns”, preciosidades, linda moça, doce moça, amigo, amigo de outro continente, tia, avó, avô, irmão, irmã e, claro, minha mãe, obrigado e a vocês ofereço o vídeo a seguir.

Até a próxima!

Angelo Márcio.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Paz – Viajar é preciso

cronica deficiente viajar Os tetraplégicos sabem bem que sem auxílio de terceiros a vida estaciona a possibilitar reflexões sofríveis sem remediação imediata e uma ansiedade comum de visitas e companhias que possam distanciar, sem perceber, o caos dos pensamentos.

Para não ficar assim mais uma vez, Nos últimos trinta dias, tive a oportunidade de fazer quatro viagens com pessoas queridas e também ter companhia de pessoas que muito quero bem e que também me querem bem.

Logo após a visita a minha avó querida, em dezembro, fui a Goiânia buscar duas preciosidades, duas primas que sempre me fazem companhia quando vou a Jussara-GO.

Sua estadia em minha casa trouxe dias de alegria, conversa, brincadeiras, sorrisos, em síntese, VIDA.

Foi tão importante que sequer consigo descrever em texto.

Em seguida fomos, as preciosidades e minha família, para um casamento em Barreiras, na Bahia, outro local muito quente e repleto de pessoas acolhedoras.

Por lá fiquei cinco dias. Dias de imensa felicidade por estar com os meus amados familiares.

Retornamos da Bahia e fomos direto para Jussara e seu calor. Já em Jussara a companhia uma das preciosidades foi fazer companhia a sua mãe e a outra ficou comigo e minha querida mãe.

Mais uma vez não consigo descrever em texto, mas posso afirmar que a muito tempo não tinha dias tão felizes.

Ah! Minha avozinha está quase curada e de muito teimosa já anda com o auxílio de uma bengala.

Posso afirmar que durante as horas de estrada, minha deficiência, minha tetraplegia, mostrava-se incomum, pois apesar da dificuldade de ser colocado no banco dianteiro do carro e, além do cinto de segurança do carro, usar também outro para evitar movimentos laterais eu me sentia absurdamente LIVRE.

Muito pode ser feito quando queremos e sabemos provocar os limites para obter o que podemos.

Este é um texto curto. Sei disso.

Pense agora naqueles dias de alegria de sua vida, sorria, celebre, grite se assim quiser, ouça música alta, sinta-se amado e aí saberá como realmente estou.

Até a próxima!

Angelo Márcio.

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