terça-feira, 22 de março de 2011

Uma noite de carnaval

carnaval cronica deficiente É extremamente fácil comparar e fazer com que a palavra carnaval se torne adjetivo e substitua palavras como alegria e festa.

E foi em um dia de carnaval, mais exatamente uma noite de carnaval, noite quente, de pouca brisa e absurdamente convidativa para sair da quietude e se deixar conduzir por pessoas queridas pelas avenidas de uma cidade interiorana, onde os sorrisos eram como apelos para que, naquela noite, o julgamento muitas vezes imposto por mim em virtude da deficiência fosse então passível de absolvição. E o juiz da consciência bateu o martelo e disse: Liberte-se!

A avenida ornada por grandes palmeiras que há muito tempo atrás eu conseguia tocar suas folhas com a mão, naquela noite eram moldura primária de um quadro composto por pessoas que se querem bem.

Primeiramente, era visivelmente necessário que parássemos em uma sorveteria no intuito de amenizar o calor e, claro, conviver, conversar, sorrir e apreciar como nunca a companhia uns dos outros enquanto nos deliciávamos com picolés e sorvetes. Ao final desta festa gelada observou-se um silêncio. Este era o momento em que eu realmente decidiria se iria ou não ao baile de carnaval, pois mesmo feliz ainda havia dúvidas, no entanto, lembrei-me que a mãe das preciosidades que haviam me tirado do marasmo, um dia antes afirmara que suas filhas somente iriam ao baile em minha companhia. Sendo assim olhei para elas e perguntei como quem afirma se queriam ir e é fácil concluir que a resposta fora afirmativa. Quatro belos sorrisos que diziam sim.

Isso não quer dizer que tenha ido por obrigação. Não! Muito pelo contrário! Eu não perderia a oportunidade de estar com quem quero bem em dia de alegria. Se perdesse seria, com o perdão da expressão, um idiota.

Fui conduzido então até o local do baile. De longe era possível ouvir a música e também ver as luzes e o colorido típico de festas carnavalescas; para adentrar o local, passamos por um caminho que dividia dois lagos sendo o da direita mais antigo e o da esquerda muito próximo de onde eu sofrera o acidente, onde iniciei uma nova vida.

Foi impossível passar por ali e não lembrar o dia em que deixei de sentir e movimentar boa parte de meu corpo.

Havia jovens, famílias inteiras e a sensação de liberdade fazia com que a imobilidade fosse momentaneamente esquecida e a insensibilidade substituída por uma vontade sensível de ser feliz, de estar feliz e de proporcionar felicidade também àquelas jovens, preciosas jovens, que amavelmente me faziam companhia. Naquele momento elas nem imaginavam o quão grande e importante havia se tornado uma singela ida a um baile de carnaval.

Em dado momento uma delas veio até mim, com olhos brilhantes, para perguntar se eu me importaria em ficar um tempo sem companhia para que pudessem andar um pouco, ver a banda de perto, encontrar amigos, em síntese, fazerem o que a juventude deve fazer – divertir-se. Minha resposta foi tranquila e objetiva ao dizer que poderiam ir, ou melhor, que deveriam ir.

Sem que eu pedisse, sempre voltavam para saber como eu estava, ficavam um pouco e retornavam a viver sua juventude em festa.

Enquanto estava sozinho, em tese, fora possível ali refletir sobre a importância de querer e poder viver ao lado daqueles que amamos.

Um detalhe: Chegamos em casa às três horas da manhã.

Até a próxima!

Angelo Márcio.

terça-feira, 1 de março de 2011

Quem continuará meu legado?

cronica deficiente flor cacto Essa questão surgiu alguns anos atrás quando a possibilidade de sair de casa era bem maior e o número de pessoas fisicamente próximas também era maior. Era um tempo em que distâncias variadas eram superadas sem lamúrias para a simplicidade de reunir amigos em um almoço, por exemplo. Não havia tantos empecilhos como hoje e agora é possível perceber o que antes se anunciava... As coisas mudam.

O dia em que a questão sobre legado fora levantada eu estava só com meus pensamentos e, para alguém estar só é necessário que antes tenha estado em companhia agradável, ou do contrário, apenas fora cumprimentado. E este não era o caso. Eu havia passado a tarde inteira a conversar com a conversar com uma pessoa incrível que saía de sua casa, distante três quilômetros, para visitar-me e eu sempre retribuía com o auxílio de meus amigos.

Passaram-se anos e pensei ter esquecido a preocupação com a continuidade de algo que tenha iniciado. Talvez um pensamento despreocupado também, mas ultimamente, no alto de meus 37 anos e bastante afetado pela tetraplegia o instinto paternal inerente mostra-se sem pudor e traz consigo outra vontade além de andar novamente: A vontade de ser pai.

Mesmo sabendo que um tetraplégico pode ser pai, principalmente com auxílio da ciência moderna, o que seria de felicidade inimaginável, seria suficientemente completo ter apenas alguém a quem pudesse um dia chamar carinhosamente de filha ou filho.

Assim posso afirmar que a cada dia compreendo melhor que na simplicidade posso encontrar um mundo de perfeições invisíveis a muitos olhos cegos por opção.

Até a próxima!

Angelo Márcio.

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