quinta-feira, 22 de abril de 2010

Algumas quedas

cronica deficiente queda1 Se alguém, em algum momento, ao ter lido o título deste texto pensou que eu fosse usar tombos metaforicamente para aludir às derrotas da vida, digo com sorriso de canto de boca que se enganou completamente. Serei literal.

Em um sábado destes da vida, alguns amigos e eu, sendo dois tetraplégicos, fomos a um tradicional “chá-de-panela”, que nada mais é do que uma reunião de família e amigos com presentes para o enxoval dos noivos e este tinha especialidade por ser de uma amada afilhada. Confesso que até hoje não sei por que usar a palavra “chá”. É chá-de-panela, de bebê, de fralda, mas eu ainda prefiro um bom e tradicional chá verde.

Durante o trajeto – a pé – ao descermos da calçada para o asfalto vi meu amigo tombar com sua cadeira e ficar com o rosto no chão. Felizmente ele não sofreu nada além do susto, mas passado isto começamos a fazer piadas com o ocorrido pelo simples fato de estarmos entre amigos.

O que me ocorre agora é mais um despreparo das pessoas dos órgãos competentes que devem ter pensado assim:

_ Já que este é um local um tanto quanto isolado, para que rebaixar a guia?

E vem mais. Paro e penso que os deficientes são limitados e isto é fato, mas, a cada dia, por mais que não queiramos, as estruturas físicas das cidades nos limitam muito mais. Parecemos com aqueles ratinhos de laboratório que ficam presos e os cientistas decidem para onde e por onde eles vão.

Imagino os “competentes” em uma sala ampla, mesa ao centro com cadeiras reclináveis para conforto em “duras” horas de trabalho e muito raciocínio, com um mapa da cidade, que normalmente não conhecem, olhando e decidindo se fazem rampas ou não; se melhoram a sinalização ou não e, por fim, após este trabalho árduo olharem entre si e ainda adiarem as conclusões por necessitarem de maior estudo.

Será pensamento irônico meu ou um pesadelo real? Loucura?!

Dentro da realidade, agora contarei uma de minhas quedas.

Fui convidado por freiras que administravam uma escola para, junto com elas, organizar um show com bandas ao vivo. Após muito trabalho, reuniões, busca de patrocínios, aluguel de palco e etc, vimos tudo correr bem e obtivemos lucro para a escola.

Ao sair do local do show, por volta das 2 horas da manhã, vi uma escada. Vi a barreira arquitetônica que mais tenho medo e agora saberão por quê.

Porque quando chegamos, eu e o amigo que me conduzia, próximo à escada, meu amigo virou a cadeira para subir de costas, com as rodinhas da frente levantadas. Já no primeiro degrau uma das freiras, em tom de brincadeira, perguntou se eu tinha seguro de vida. A resposta foi negativa. No último degrau ela retornou com a pergunta e obteve a mesma resposta.

Após vencermos o último degrau, meu amigo começou a virar a cadeira para continuarmos o caminho de frente. Foi aí que a coisa ficou feia. Esquecemos que após a escada havia uma pequena plataforma de concreto de uns dois metros de largura sobre um buraco que se estendia por toda a frente da escola. Para melhor visualizar, por favor, imagine um fosso de castelo medieval com sua ponte levadiça baixada e nós, pobres plebeus, sobre o ponte.

Antes de terminar o giro lembrei que a plataforma era estreita, porém tarde demais. A roda esquerda já havia perdido sustentação; meu amigo já havia perdido sustentação e os dois foram buraco abaixo. Ainda bem que não havia jacarés e creio que aqui Isaac Newton explicaria bem sua teoria.

Meus amigos leitores eu bati forte com a têmpora esquerda no chão e lhes digo: _ Eu vi a luz! (Hoje posso rir disso)

Mas logo depois percebi que tudo estava de lado e como a terra não mudaria seu eixo à toa, constatei que havia sofrido uma queda mesmo. Minha primeira reação foi mexer meu braço para confirmar a continuidade de meus poucos movimentos, saber como meu amigo estava e, é claro, pedir ajuda.

Rapidamente outros amigos vieram e efetuaram o resgate com minha orientação de como me segurar, remontar a cadeira em local SEGURO, transferir-me do chão, buraco ou fosso para ela e assim ir para casa.

Nesta queda em nada me feri. Já meu amigo, machucou-se um pouco. Machucou-se mais tentando me segurar, proteger-me, do que devido a queda propriamente dita.

Hoje, repito, conseguimos rir deste episódio com frequência, não por sermos sarcásticos, como assim julga uma minoria. Temos e fazemos a possibilidade de sorrir por sermos/termos amigos e felicidade transbordante.

SORRIAM TAMBÉM!

Até a próxima!

Angelo Márcio.

cronica deficiente queda

sábado, 17 de abril de 2010

Um grito de dor

cronica deficiente vergonha Certamente influenciado pelos desabafos do Eduardo e seus amigos no blog Tetraplégicos, no post Desabafos…, e somando a fatos do cotidiano que em nada agradam, vi-me diante de limitações impostas e que feriram.

Tenho absoluta convicção de meus limites e, portanto, também dos consequentes esquecimentos, porém, às vezes, esqueço que sou deficiente e conduzo minha vida normalmente, pois cada um tem sua normalidade de vida conforme suas escolhas e o que lhe é imposto também.

Se fôssemos todos iguais seria uma vida normatizada, com regras iguais e, meus caros, na vida, a desigualdade vigora com poderosa força.

Um exemplo simples, concreto, real e desigual é saber que pessoas próximas ou não vão realizar alguma coisa, ato, sei lá... e você – neste caso eu – sabe que não pode participar exatamente pela limitação física.

A sensação de impotência é cruel.

Até se conseguisse ir, normalmente fico só por vários momentos, pois ninguém tem a obrigação de me ladear o tempo todo e isso se torna mais cruel do que não ir, já que estou no local e não posso conviver, de pertinho, aquele momento. Também posso estar errado. Será?

Agora a impotência regida pelos fatos faz parceria com a consciência de saber que, naquele momento, sinto-me incapaz; com vontade de gritar e sei que um dia porei para fora em alta voz. Por exemplo, para sair de casa mobilizo, no mínimo, 5 pessoas. Sei que todos ajudam por que querem. Mas pergunto: _E se não quiserem? Ou melhor, e quando não quiserem?

Sei que não me afundarei em depressão, mas... Por que não chorar?

Tenho uma personalidade de intensa luta e a pior derrota, das que tive, foi obtida tendo minha pessoa e suas limitações como adversárias e, como já afirmei que – ainda bem – somos todos diferentes; sei que minha forma de expressão pode parecer não tão direta, no entanto e felizmente, é para ser assim.

Há muito tempo atrás era fácil ter um grupo de pessoas ao meu redor com elogios, sorrisos e uma companhia agradável. Pouco a pouco fui percebendo que aquele não era eu, verdadeiramente falando. Não estava a enganar ninguém com a atitude de tentar agradá-los. “Doce” erro… Neste erro o grande enganado era eu! Sim! Outro erro! Enganar a si mesmo.

Erro corrigido a tempo.

Creio que depois que comecei a agir e falar como eu queria e não por convenções, muitos se dispersaram como poeira ao vento, deixando para trás, ou melhor, comigo, aqueles que confiavam, conheciam e se compadeciam com minha dor.

Assim me senti liberto e feliz.

Até a próxima!

Angelo Márcio.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Muito mais que amigos

quadra-de-volei Há dias venho relutando quanto ao fato de escrever sobre meu pai. São histórias que relatei diversas vezes em palestras, no entanto, encontro um bloqueio aqui. Uma parede erguida por mim.

Sendo assim escreverei, como já fora comentado, com um coração tranquilo e suas decisões. E o que me vem agora à mente são meus amigos.

Claramente lembro que após a saída do hospital, após 18 meses de internação e consequente institucionalização, eu tinha receio de sair até a rua, mas não adiantava muito esta insensata teimosia. Meus amigos vinham até minha casa, pediam a minha mãe que me arrumasse e sem perguntarem minha opinião levavam-me para uma das coisas que mais gosto: jogo de vôlei.

A rede estava armada no meio da rua mesmo, de um lado presa a um poste e de outro a um muro; as guias ou meios-fios serviam de linha lateral e as linhas de fundo, meio e 3 metros foram cuidadosamente pintadas em cor laranja, com espessura de cinco centímetros.

Fui posto, então, na lateral, abaixo da rede para ser o juiz. Eles, meus amigos, queriam que eu usasse o conhecimento adquirido no período de atleta para apitar o jogo, mas foi além, muito mais além que poderia imaginar. Eu apitava, sorria e, muitas vezes, dava dicas de jogo.

É evidente que agora me lembro de meu período de atleta – levantador – e creio que a prática esportiva ajudou, e muito, em minha recuperação até onde foi possível.

Eles me perguntavam qual a melhor forma de atacar ou levantar; se era bola curta, longa, chutada, meia bola, linha dos três, dois tempos e outros palavreados dignos deste esporte.

Mal sabiam eles, eu acho, que estavam me recolocando dentro de um estado de felicidade sem igual, pois mesmo sem poder jogar eu estava dentro do jogo e me sentia atleta novamente.

Meio contundido, mas atleta. (risadas)

Se biblicamente, ou não, pode-se afirmar que “quem tem um amigo tem um tesouro”, dou maior amplitude à afirmação dizendo que, simplesmente, sou um milionário.

Alguém vive sem amigos? Ou sobrevive?

Estes amigos que amavelmente chamo de “loucos” são até hoje parte extremamente importante de minha nova vida.

Até a próxima!

Angelo Márcio.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Dia de paz

cronica deficiente paz Ainda era manhã quando adentramos por uma vereda ladeada por cerrado, capim, árvores e alguns animais para sustento da família. Um pouco mais adiante a casa pôde ser vista.

Ali seria meu refúgio por algum tempo.

Então me vi deitado em uma rede presa às vigotas do teto por cordas cuidadosamente amarradas. Senti-me bem!

Poderia até contar as telhas daquela varanda, mas este não era o objetivo e nem por hora seria. O vento fazia das folhas de palmeira bailarinas num dançar que de diverso parecia uniforme e belo. E também tinha música! Isso! Havia música para ouvidos atentos e, por que não, também para os desatentos.

Os trovões rompiam o silêncio proposto como o rufar de tambores em clássica música. Por fim veio a chuva e até os pássaros silenciaram diante de ópera tão perfeita.

Eu não queria estar em outro lugar!

É incrível o quanto nossos sentidos ficam aguçados quando estamos em paz e, erroneamente, buscamos, por vezes, a turbulência do conflito e seus ferimentos mútuos.

E durante esta sinfonia já anunciada, por mais louca que possa parecer ser minha decisão, confesso que quis ouvir músicas que eu já havia separado em um dispositivo eletrônico.

Mas repito quantas vezes for preciso: _ Eu estava em paz!

E com fones no ouvido, ópera natural e músicas atentamente selecionadas para aquele momento, adormeci.

Dormi como há dias não dormia e acordei bem mais feliz ao som de crianças brincando em um riacho próximo.

Poderia ser melhor?

Até a próxima!

Angelo Márcio.

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