sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Promessas feitas e cumpridas (season finale)

jussa praça2 Seguir em frente, prosseguir, avançar, galgar, nortear... Sinônimos claros e fortes que habitam corpo e mente quando um objetivo é traçado, um alvo é marcado. A explosão vinda da realização, da chegada, do acertar, é uma explosão de sentimentos incontáveis e por vezes antagônicos.

Inicio assim, meio complicado, porque a compreensão completa não cabe ou coube em simples razão humana.

Naquele dia de semana, enquanto descansava do calor deitado em cama simples, com os pés de fora às vezes, travesseiro entre os joelhos para evitar atrito e assim impedir feridas. Deitado e olhando as paredes da pequena sala com porta para um quarto e acesso ao corredor e cozinha a frente. Atrás ficara a porta da sala para possibilitar melhor ventilação e, ao invés de vento, entrou figura calma e conhecida. Uma amiga que estivera comigo e com os outros jovens no dia do acidente. Em seu rosto repetia-se a mesma expressão já vista de espanto e compaixão.

Aqui eu poderia ter usado a expressão “ter pena”, mas minha sábia mãe, em seu bom-humor, sempre dizia que quem tem pena é galinha e em minha humilde experiência de vida, descobri que ter pena é fácil, que olhar e ver o sofrimento, a dor, a dificuldade é em muito acessível. O difícil é ter compaixão que, em significação simples, é o mesmo que sofrer jun to. Atitude para poucos, porém, para os incrédulos, ainda existente.

Essa amiga trazia nas mãos dois convites para um baile que seria realizado no sábado próximo.

E assim teve início meu dia de surpresas. Ela não sabia de minha vontade de ir a um baile. Como poderia saber? Faltam-me respostas.

Ao cair da noite, meu primo e eu, fomos à missa e no caminho de volta, uma avenida larga com altas palmeiras no canteiro central a dividir os sentidos da via em harmonia com suas subidas e descidas.

Não me recordo o porquê, mas fazíamos um silêncio que foi quebrado pela voz de uma senhora que tentava chamar nossa atenção. E conseguiu.

Paramos e ela se aproximou com certa pressa e pedindo desculpas por supostamente nos incomodar. E não fora incômodo algum. Fora surpreendente.

A senhora começou falando que queria nos encontrar porque ela nunca tinha visto um deficiente físico passeando pela cidade e nos confidenciou que cuidava de uma moça, paraplégica, vítima de arma de fogo pelas mãos do próprio noivo, que ela tentava tirá-la de casa sem sucesso e emendou com seu desejo de que eu fosse visitar a moça e a questão era: Onde mora?

Antes de responder é preciso dizer que eu pretendia visitar um tio que morava perto da delegacia da cidade.

Continuando e, para afirmar que já não detinha mais controle sobre o cumprimento das propostas, a resposta da senhora foi assim, com voz feliz e muitos movimentos de mãos:

_ Ela mora em uma casa sem muros, na rua a esquerda da delegacia.

Pausa para situar a razão diante de tal coincidência, providência ou destino, pois, de manhã, recebi convites para um baile e à noite, convite inegável para uma grata visita exatamente na mesma rua em que meu tio morava e, SIM, fiquei surpreso.

E pensar que quase havia desistido...

Quando, no sábado, chegamos à casa da moça, descobri uma pessoa linda, deitada de bruços em uma cama que ficava na sala, certamente aumentada, pois não havia paredes entre ela e a coxzinha. Descobri que aquela moça, por meio de seu trabalho de manicuro, trazia sustento para dois irmãos e sua mãe. Descobri, meses depois, que após a visita ela saiu de casa para passear e foi contemplada com uma casa maior e melhor para viver.

Finalmente, descobri que a visita não teve tanta importância quanto à disponibilidade de estar com ela e mostrar por atos que há continuidade e alegrias.

Para quem possa pensar que me senti bem por ter ido até a moça, engana-se completamente, com ela, caros leitores, muito aprendi.

E o baile?

Tornou-se mero coadjuvante que acabei por ir para em fim dizer:

_ Promessas feitas e cumpridas!

Até a próxima!

Angelo Márcio.

4 comentários:

Nós Tetraplégicos disse...

É Angelo, teus objectivos foram cumpridos e ainda deu para de arrasto conheceres, aprenderes e ajudares alguém.

Parabéns! Somente temos que estar disponíveis para...

Fica bem.

Angelo Márcio disse...

Obrtigado, Eduardo, mas esta saga levou 8 anos para acontecer e esqueci de enaltecer nos textos as pessoas que se dispuseram a me ajudar.

São amigos bem pacientes, pois sou um tanto quanto inquieto e continuo a aprender.

Felicidades e fortaleza sempre.

Angelo.

Vera (Deficiente Ciente) disse...

Angelo,

Quando leio seus textos, viajo nas suas histórias e relembro das minhas.

No início tudo é tão difícil, não é? Imagino pelo que deve ter passado. Ainda bem que é determinado, corajoso e tem uma mãe maravilhosa!E o tempo, se encarrega de muita coisa...

Concordo com você, só conseguiremos amenizar a questão do preconceito, divulgando informações e esclarecimentos a respeito da deficiência.

Adoro ler seus textos!

Abraços e um ótimo final de semana, meu amigo!
Vera

Angelo Márcio disse...

É Vera...

Se você viaja, imagine eu!
Essas histórias sempre foram contadas por mim verbalmente e a experiência de textualizá-las está sendo super interessante. Espero que no meio das suas lembranças não reine a dor e sim a majestade do aprendizado e sorrisos cultivados pelo tempo.

Vou usar uma gíria local para minha mãe: "Ela é muito doida! Irada!" rsrs

E, Vera, você e o caro Eduardo são grandes divulgadores das questões que se referem às pessoas com deficiência e continuem na batalha!

Obrigado e um belo final de semana.

Abraços,
Angelo.

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