sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O dia

OLYMPUS DIGITAL CAMERA         Era início de tarde e o fato de estar deitado em um banco de madeira em uma sala rústica, diante de uma televisão, trazia a possibilidade de ser mais uma tarde de quietude descompromissada quando surgem pessoas queridas pedindo para acompanhá-las a um banho no riacho e brincar como crianças – o que éramos e somos.

A princípio relutar era certo, mas o calor, minha vontade e um impulso de proteção àquelas que faziam o convite contribuíram para um sim.

Estar com quem amamos, hoje, é algo deficiente, pois impomos barreiras usando ocupações e não vivemos, fazemos parte da vida e perdemos, esquecemos e somos esquecidos. Eu não queria isso naquele dia e nem atualmente.

Assim seguimos para o riacho.

Era uma olaria abandonada onde tinha um barranco e a água passava sem avançar à margem natural; era água quase clara que descia em reta de mansidão e desviava ao encontrar os obstáculos em seu curso.

Assim descrevo o riacho e me coloco no lugar da água, pois ao chegar próximo a ela fui, como em um ritual, molhar os pés como sinal de respeito. Também para que o corpo se acostumasse com as diferenças de temperatura.

Veio então a possibilidade de ser criança e brincar de “pega-pega”, “pique-pega”, “trisca”, algo assim e acabei por ser a pessoa que deveria correr ou nadar atrás das outras crianças nessa brincadeira que remete ao pensamento de buscar objetivos e alcançá-los.

Enquanto todos se espalhavam para dificultar minha missão, decidi pular do barranco, algo que freqüentemente fazia e ali era meu abismo, meu penhasco – apesar de ter uns dois metros de altura – fora ali que meu futuro e vida teriam uma reviravolta extraordinária.

Saltei como quem salta atrás de sonhos distantes, porém realizáveis e como quem adormece houve escuridão e de sonho era pesadelo sem fim. Os sentidos enlouqueciam, o frescor da água deu lugar a uma indescritível dormência e o sorriso foi substituído por dentes cerrados em um misto de surpresa, medo e esperança.

E a esperança venceu. Alguém me salvou no pesadelo e ainda assim um choro distante trazia dor e era a dor de minha irmã que me tirara da água e minha prima que se culpava pela realidade que ali a feria. Ela se culpava e, como já disse antes, não há culpados.

A verdade que depois de acordar tive é a ciências de que havia perdido. Havia perdido os movimentos dos braços e pernas. Havia perdido a sensibilidade. Havia quebrado a coluna e aberto uma porta para o desespero, porém, a esperança, a clara e perceptível esperança, mostrou que não havia perdido a vida. Que o caminho até ali tinha continuidade e que o abismo teria em suas paredes algo para prender-se e voltar ao topo e poder afirmar que realmente nada que seja realmente vital é fácil de ser alcançado e é isso que faz da vida um inigualável enigma com respostas diante dos olhos em letras pequenas que precisam de esforço e concentração para serem lidas, mas insistimos nas facilidades e não no prazer de uma vitória sobre adversidades cruentas.

Há algum tempo o poeta Carlos Drummond disse em seu poema “O Tempo passa – Não passa?”, o seguinte: “São mitos de calendário tanto o ontem como o agora, pois o seu aniversário é um nascer toda hora.”.

Ontem, 14 de janeiro de 2010, o que foi descrito aqui com dificuldade completou 21 anos e, respeitosamente, fazendo uso das palavras do poeta ao somar a idade na época do salto, são 36 anos de “nascer toda hora”.

Até a próxima.

Angelo Marcio

5 comentários:

Vera (Deficiente Ciente) disse...

Olá Angelo!

Obrigada pela visita!
Lindo e emocionante o seu texto!
"Nascer toda hora", que frase marcante!
São tantas mudanças em nossas vidas ao nos tornarmos "deficientes", não é? Reaprendemos tantas coisas, enfrentamos tantos desafios e desenvolvemos tarefas consideradas impossíveis por aqueles que não são deficientes. Por tudo isso, acredito que nos tornamos mais eficientes do que deficientes. E você é a prova disso! Parabéns!

Abraços,
Vera

Angelo Márcio disse...

Olá, Vera!

Também lhe agradeço pela visita e é bom saber que você gostou do texto.
Realmente, nós "deficientes", nos tornamos desbravadores. Não é fácil mas, podemos sempre continuar nos caminhos, movimentos e sentimentos novos.
Seu incentivo é importante.
Abraços,
Angelo.

Nós Tetraplégicos disse...

Angelo, foi um prazer conhece-lo.

Se precisar de mim, disponha.

Gostei muito da força e honestidade das suas palavras.

Fique bem e boa sorte para este seu novo projecto.

Angelo Márcio disse...

Olá, Eduardo.

Certamente precisarei e não farei cerimônias para pedir.
Agradeço, de coração, seu incentivo, crítica e disponibilidade e também me ponho à sua disposição.
Fortaleza sempre!

Abraços,

Angelo.

LUCIANY disse...

Oiiii,
Angelooooo....

Você,é tipo de um mode inexplicado,tem uma transparência impressionante,quando você falava de DEUS pra mim,eu me sentia nas nuvens pois DEUS usava você pra abrir meus olhos,passava os dias pensando naquelas palavras sábias....
Você é ungido por DEUS,para plantar amor no coração dos nossos jovens átrios,abrir nossas mentes para um futuro melhor!
Agradeço a DEUS ,por você fazer parte da minha vida!
E que DEUS continue cuidando de você ,pois você é e sempre será abençoado e ungido por DEUS.....
Abraços.........

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