segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Do outro lado…

cronica_deficiente_avo2 Em dias de festa de final de ano, costuma-se dizer que a reunião familiar é ato corriqueiro e, sem sombra de dúvida, de felicidade também. E para seguir esta tradição, 400 KM foram percorridos e sempre com sorriso de quem vai para celebrações de felicidade constante.

Ao chegar à frente da casa, o portão verde em formato de grade era inconfundível; assim como também eram inconfundíveis a arvore da frente, a pequena rampa para adentrar o lote, o canteiro à esquerda, a visão frontal da casa de cor branca e verde com pequena área ladeada de plantas e emendadas por batentes baixos que mais parecem bancos, ou melhor, são bancos com rosas. Estas áreas também são chamadas de alpendre. Em uma das laterais que dão acesso aos fundos da casa ainda havia plantas em vasos e o mesmo chão de cor verde.

Sim, tudo inconfundivelmente igual. Era assim que era pra ser, mas algo diferente habitou os olhos e fez o coração acelerar.

Em uma rede, no final do corredor, encontrava-se uma mulher no alto de seus 87 anos de vida intensa e batalhas muito mais duras; uma mulher que criara e educara 16 filhos e que já carregava cicatrizes no coração por ter sepultado 8 destes filhos; uma mulher de decisões coerentes a seu coração e contraditórias ao que rege o mundo que insiste em nos moldar. Esta mulher que tanta força irradia fora vitima de um dos piores acidentes que ocorrem com idosos, um acidente que faz com que a bacia seja quebrada e ela, caros amigos e leitores, ela é minha querida avó.

Um dia descrevi seus olhos marejados e hoje posso imaginar um pouco de sua dor ao me olhar. Confirmar sem receio o pensamento que temos de que nada ocorrerá conosco.

Quanto engano!

Não é fácil nos colocarmos no lugar daqueles que choram. Ela, minha avó, chorou por mim, por ter ficado tetraplégico em um acidente e hoje eu – o neto – amargamente, sinto a dor contida em seu olhar abatido e busco forças para animá-la um pouco que seja... e desse pouco surgem sorrisos.

Não é fácil estar do outro lado!

Até a próxima!

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O orfanato

Cronica_deficiente_orfanato Por dias seguidos ouvi uma voz de criança me perguntando se era nesses dias que haveria uma festa para ele e seus vizinhos; minha resposta era sempre um pedido de calma e pergunto: Como pedir calma a uma criança que vive em um orfanato – não por não ter família – afastada de sua família por decisão judicial e pelos motivos mais diversos, duros e cruéis que uma criança não deveria viver?
Assim foi precedida a visita e festa do grupo de jovens - no qual felizmente trabalho - a um orfanato diferenciado em nosso pouco saber, pois imaginávamos que orfanato era para quem não tinha mais seus pais, no entanto, não estávamos tão errados, pois, de certo modo, conforme a realidade deles, a maioria não tinha mais os pais verdadeiramente amando-os e por perto.
 Um lugar de cores fortes onde na entrada, após um imenso portão, via-se uma área limpa, coberta, bem iluminada que dava acesso ao refeitório com mesas e cadeiras coloridas – sendo algumas bem pequenas.
Em uma lateral havia um conjunto de casas bem juntinhas e também com cores fortes e diferentes. É nessas casas que as crianças e adolescentes moram; por isso usei o termo vizinhos ao referir-me à criança que pedia a festa.
 Sim! A visita ou festa ocorreu com palhaços, brincadeiras, comidas e muita alegria e troca de conhecimentos entre jovens e crianças sofridas. Aprendemos que olhar o horizonte é muito mais engrandecedor do que verticalizar a ânsia de viver. Aprendemos que um sorriso provocado é paz para alma mesmo em corpos cansados. Aprendemos o que já sabíamos também: Que crianças não cansam facilmente de brincar e após estes aprendizados vi um grupo de palhaços jovens dispostos ao chão exauridos, porém sorrindo e vez por outra uma criança perguntava a mim e outro amigo tetraplégico o que havia ocorrido conosco.
Mais uma vez a curiosidade sábia das crianças.
 Havia neste local de isolamento involuntário uma reciprocidade de necessidade de carinho e um pouco, pouco que seja, de atenção.
 Até a próxima!
 Angelo Márcio.
Ofanato Abrigo Lar de São José image

sábado, 18 de dezembro de 2010

O lado obscuro (retorno)

Obscuro_cronica_deficiente
Título estranho este. Principalmente quando se refere a um retorno.
Isso mesmo! Uso a palavra obscuro para ter certeza de que a luz do retorno é verdade dentre dúvidas, fugas e ataques de quem se sente acuado e o ataque se torna defesa.
E a verdade é assumir que somos todos falíveis.
A verdade é assumir que em minha deficiência deparei-me com o inusitado não ocorrido em mais de vinte anos.
Deparei-me culpando inocentes e questionando insensivelmente meus limites, deixando-me ser levado por julgamentos parciais.
Chega de metáforas!
Aprendi que assumir defeitos, medos ou incertezas não são sinais de fraqueza e sim demonstração de amadurecimento daquele que busca viver segundo princípios que somente crescimento trazem a este que vive.
Em vinte anos de deficiência assumi nunca ter ficado deprimido ou, pelos menos, afirmava que as situações que a este estado levavam passavam rápido. Hoje aprendi que realmente passavam. Sim! Passavam.
No entanto, desta vez, demorou um pouco mais e trouxe dor. Muita dor.
Tentei esconder dos amigos e outras pessoas queridas para manter na obscuridade e, creio que de alguns escondi, porém não de todos. Tive que pedir ajuda.
Ao pedir ajuda mantinha à sombra minha real situação e recebi alguns “nãos” e vi que esconder só piora, em nada ajuda.
Não culpo ninguém e nem tenho porque culpar. Por que temos sempre a necessidade de culpar alguém?
Se eu tentar explicar mais aqui acabarei por complicar ainda mais.
O que importa é que esta foi mais uma batalha vencida que deixou cicatrizes e ainda há feridas abertas. Certamente estou diferente e serei diferente. Nunca, mas nunca, INDIFERENTE.
É muito bom estar de volta!
“Auto-exílio - nada mais é do que ter seu coração na solidão” (Renato Russo)
Até a próxima!
Angelo Márcio.
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