sexta-feira, 30 de julho de 2010

Diário de bordo 6º dia

Há uma música bem antiga que diz assim em um de seus versos:

“Eu queria ter na vida, simplesmente, um lugar de mato verde pra plantar e pra colher. Ter uma casinha branca de varanda, um quintal e uma janela só pra ver o sol nascer.”

Peço desculpas por não creditar o autor ou cantor, mas este trecho, em específico, reflete um de meus desejos. Posso não ter plantado nem colhido, no entanto, o que estava ao meu alcance agarrei sem pudor. Agarrei dias de vida simples; agarrei a estadia na casa de minha tia e sua varanda, bem como terei novos quadros do nascer do sol na memória.

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Na vida simples passei horas deitado em uma rede sempre com o pensamento longe. Não fiz isso para fugir da realidade, fiz muito mais para perceber que somos donos de nossas realidades e as surpresas do caminho, de alguma forma, positiva ou negativa – cabe a nós definirmos – vai a cada rompante ou de súbito moldando nosso viver e a arte final, a obra prima, somente pode ser assinada por mim, ou melhor, por cada um de nós.

É muito fácil creditar a outros as nossas culpas e, infelizmente, muitos ainda alimentam também a descrença em si e não assumem a autoria de suas belas obras. Digo isso por conviver com pessoas que agem assim.

Dando continuidade ao pós-rede, fora os dias de cama, teve algo que perdi: Um jantar na casa de um primo na cidade de Montes Claros para, além de me deliciar com ótima comida goiana, ter a oportunidade de passar e fotografar o Rio Claro, pois foi ao passar sobre a ponte dele e não poder fotografá-lo que surgiu o blog Uma Crônica Deficiente. Fica para uma outra vez.

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Com minhas primas que tanto prezo e me ajudam, vimos um filme e, ainda à noite, após minha mãe chegar de Montes Claros, voltamos para Jussara com uma diferença: Voltamos pelo asfalto. Bem diferente da estrada de chão da ida e, ao mesmo tempo, sem histórias para contar, ou melhor, tem uma sim.

Assim que chegamos a Jussara, deixamos uma tia em sua casa e nos dirigimos para a frente da casa de nosso amigo que cedera o sinal de internet sem fio. Certamente ele já dormia e lá estávamos nós: meu primo, minha mãe e eu.

Era mais de meia-noite. Ao ligar o notebook meu primo apertou a buzina e pensei que algum vizinho viria ver quem ou o que era, se fosse o amigo tudo bem, mas se fosse outra pessoa teríamos que dar explicações e enquanto o arquivo era transferido também passou um carro de polícia e um grupo de cinco jovens que não sei o que faziam àquela hora da noite na rua.

Senti-me como um adolescente fazendo algo de errado. A diferença é que estava dentro do carro aquela que deveria me dar uma bronca e agora sorrio com esta história.

Aqui quero deixar bem claro que o dono do sinal de internet PERMITIU que eu usasse. De outro modo seria CRIME.

Até a próxima!

Angelo Márcio.

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Diário de bordo 3º,4º e 5º dias

Nascer do Sol na fazenda
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Como as coisas podem mudar tanto em um prazo de 12 horas?!

Vamos às minhas explicações, ao menos.

Certamente poderia fazer uso do momento em que fiquei tetraplégico, no entanto, fato mais simples e sem controle aparente evitou que o Diário de Bordo fosse publicado por três dias seguidos. Fatos que muito envolvem minha condição física.

Como afirmara no post anterior, realmente estou na fazenda, mas prefiro narrar e assim será.

Na clara noite de terça-feira, com lua cheia e bela para amantes e poetas, fomos a uma vila próxima a Jussara para de lá nos direcionarmos para Santa Fé de Goiás. Ao sairmos da vila optamos por um caminho alternativo de estrada de chão e muita poeira.

Quando percebi, o caminho se tornou conhecido, pois eu havia passado por ele quando tinha apenas 12 anos de idade e havia passado a pé junto com outro, hoje falecido. A cabeça, a mente foi se inundando de recordações felizes, pois meu primo e eu tínhamos fugido para participarmos de uma festa em uma fazenda e, no caminho, passamos por um córrego de nome bem sugestivo: “Córrego da Onça”. Lembro-me que sentimos muito medo, pois a possibilidade de aparecer uma onça era bem real e quando passamos por ali era noite também.

Área do Córrego da Onça
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Hoje, de dentro do carro, ia lembrando cada curva, as matas, os lagos, as porteiras e tudo mais. Era como se revivesse tempos passados e, ao mesmo tempo, em um misto de alegria e consternação, sorria e tinha consciência das dificuldades de pisar e sentir aquele chão novamente. Ainda assim creio em um futuro próspero, pois luto, acredito em Deus e sempre escreverei aqui o que realmente penso, sinto e acredito.

Após este momento “flash back” chegamos à fazenda e a primeira coisa que fiz foi pedir para ser posto no banheiro. Isso foi feito por minha mãe e meu primo; um segurava por baixo dos braços, nas axilas, enquanto o outro segurava pelas pernas, por trás dos joelhos; confesso que é bem incômodo, mas vale a pena.

Antes de sair do banheiro avisei minha mãe que havia algo estranho comigo e mesmo depois de sair o mal-estar continuava. Minha mãe queria saber exatamente onde estava ruim, mas, para um tetraplégico cuja sensibilidade é restrita dos ombros para cima, ficou muito difícil responder.

No outro dia, pela manhã, descobrimos o que me afetava e era algo que alguns classificariam como dor-de-barriga, outros desinteria, mas eu prefiro colocar como uma leve infecção intestinal que me deixou dois dias de cama e minha mãe, claro, sem perder o bom humor, disse que se ganhasse dinheiro pela quantidade de roupas minhas que ela lavou, certamente ficaria rica. Não posso esquecer-me de dizer que fui tratado à base de chás naturais feitos por minha tia.

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Para mim é estranho descrever isto, mas é algo que aconteceu e que faz parte da aventura (na próxima trarei fraldas geriátricas... risadas).

Agora peço calma, pois não foi tão ruim assim. Pude conviver mais com três primas que sempre estão comigo e são responsáveis por momentos de risada e por muitas das fotos tiradas. Vi o maravilhoso nascer da lua e ouvi o som de alguns bichos silvestres e hoje, enquanto escrevo, posso respirar um ar puro, ver o sol dar cor à sequidão do cerrado; a minha direita há a estrada de acesso e neste instante ouço um belo dueto de pássaros-pretos e rolinhas regidos por um grilo.

Estou realmente FELIZ e minha mãezinha está fotografando.

Quanto ao sinal de internet?

Nada... Que bom!

Até a próxima!

Angelo Márcio.

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segunda-feira, 26 de julho de 2010

Diário de bordo 2º dia

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Este é o Custoso.

Ainda estou em Jussara, cidade do sudoeste goiano, perto de Mato Grosso, há 415 km de Brasília e, aparentemente, bem próxima do Sol. Digo isso por ser uma cidade muito quente com temperaturas quase sempre acima dos 32 graus.

É a mesma cidade do acidente e que também trás contentamento.

Nossa primeira aventura foi, em pleno domingo, tentar encontrar nesta pequena cidade um sinal de internet para que o Diário de Bordo pudesse ser publicado.

Primeiramente, com dois primos a ajudar-me, fomos de carro a um posto de gasolina onde nos deliciamos com pasteis e sucos. Sempre sem esquecer que buscávamos o tal sinal de internet. Os pasteis estavam ótimos, no entanto, teríamos que andar um pouco mais.

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Riacho Água Limpa

Saímos da cidade e fomos fotografar uma parte do riacho onde renasci. Atitude imprudente, pois paramos o carro à beira da estrada, em cima de uma ponte e que renderam boas fotos. Em nenhum momento desci do carro e pretendo descrever e demonstrar com fotos como se faz para me colocar dentro de um automóvel.

Continuamos nossa busca percorrendo as ruas da cidade até que meu primo ligou para um amigo e ele permitiu que utilizássemos o sinal da casa dele. Fomos rápido, pois a bateria estava quase no fim. Fim suficiente para conectar e publicar o Diário do primeiro dia.O que acabei de descrever pode parecer algo bobo para aqueles que somente se importam com grandes atos, fatos ou história. A grandiosidade desta história está nos sorrisos, no bate-papo, na convivência e, principalmente, na disponibilidade dos meus primos em ajudar-me em algo realmente corriqueiro: Encontrar um local com sinal de internet.

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Torre da Igreja Nossa Senhora de Fátima.

À noite andamos pela cidade e fomos a missa para depois ver o Brasil ser 9 vezes campeão da Liga mundial de Vôlei.

Os próximos dois ou três dias passarei em uma fazenda aos arredores da cidade de Santa Fé de Goiás e lá, meus amigos, devo encontrar de trator a bicicletas; de vacas a tucanos; de emas a cavalos; mas sinal de internet?

Veremos.

Até a próxima!

 

 

Angelo Márcio.

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domingo, 25 de julho de 2010

Diário de bordo 1º dia

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Ao acordar, ainda deitado, posso refletir com esta simples paisagem.

E não é que após a formatura e uma semana um tanto quanto entediante recebi um prêmio que posso afirmar ter sido inesperado.

Era uma sexta-feira bem fria. Minha concentração se voltava toda para os trabalhos com os jovens da igreja e também para uma reunião de família em meu aniversário no próximo mês. Reunião esta que tentei há três anos atrás e não consegui. Algo muito entristecedor.

Mas vamos ao prêmio.

Meu irmão Haia chegado de viajem do Tocantins e, possivelmente, iria para casa de meus avós no Goiás. Com isso entra em cena outro irmão e juntos decidem viajar no sábado pela manhã levando consigo minha mãe e eu, ou seja, tínhamos menos de dez horas para ajustar tudo, desde cadeira de rodas, materiais de cateterismo até as roupas, claro, e para deixar para trás o dia-a-dia da cidade grande.

Agora posso afirmar que estou na casa de meus queridos avós, com minha mãezinha, irmãos, primos, tios, gatos, periquitos e muita felicidade.

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Fruta da Bahia de nome Mangustão.

E, a partir de hoje, partilharei com vocês amigos e leitores, por meio de fotos e textos, o desfrutar deste prêmio amável.

Aqui se dá início ao meu diário de bordo.

 

Até a próxima!

Angelo Márcio.

domingo, 11 de julho de 2010

Um discurso

A aprovação no curso de TI já passara, faltava a formatura e com alegria aceitei o convite para ser o orador. Tive receio diante de um auditório lotado,mas aqui publico o texto de uma vitória com a qual espero abrir portas para outros deficientes que queiram lutar.

cronica form DISCURSO

“18 meses, LV, PHP, BD, SI. Envoltos em tempo e siglas, às vezes não percebemos alguns detalhes que vão além.

Por exemplo, não percebemos que para a maioria dos que hoje finaliza um ciclo houve dificuldades impostas pelo tempo e, porque não, também pela falta de tempo.

Sair de um trabalho de uma noite inteira, chegar no horário, sorrir e assumir que está desenvolvendo novas habilidades diante de tal barreira é puro estímulo.

Isso é vitória diária que não percebemos e por falar em percepções...

Não percebemos os olhares daqueles que tiveram o receio da reprovação.

Aqui se abre espaço para concretizar que o maior receio era o da reprovação pessoal. “Nadar e morrer na praia”? Não! Isso é o inconcebível.

Não percebemos que também havia medo.

Não percebemos que havia cumplicidade.

Não percebemos muito, mas hoje, celebramos juntos.

O que significa que afirmar que não percebemos agora seja errôneo.

Talvez, apenas tenhamos demorado em notar que o tempo passou e que cada um pôde vivenciar dias diferentes, problemas diferentes em soluções iguais que não fogem da palavra PERSEVERANÇA.

E somente os vitoriosos perseveram, lutam e também são teimosos ao extremo.

Cada um, quando decidiu estudar, aperfeiçoar ou simplesmente ter conhecimentos a mais, também projetou algo para o depois- o pós-curso.

Certamente pode-se dizer que muitos planos mudaram no decorrer dos dias e no avanço do conhecimento e não percebemos que nos tornamos mais maduros, flexíveis e conscientes que, independentemente de idades, nos tornamos mais humanos em um universo de máquinas.

“Ninguém nasce sabendo”!

Muitos aqui presentes já devem ter ouvido isso de seus pais ou dito isto, exatamente, por serem pais.

Hoje, noite de celebração, pode-se afirmar e modificar esta máxima e dizer para os que desistiram ou foram obrigados a desistir e para vocês, vitoriosos do curso de Técnico em Informática, que, já que ninguém nasce sabendo e nestes três semestres muito aprendemos, peço permissão a Drummond que afirmou que “o tempo não passa” e que cada dia é um “nascer toda hora” para dizer:

_O conhecimento é um tesouro, sendo assim, estou diante de milionários.

No entanto, para finalizar, repito para todos o que foi dito por um marido em apoio a sua esposa que hoje está aqui conosco: Valorize seu curso!

Parabéns a todos e continuem. Não parem por aqui!”

Até a próxima!

Angelo Márcio.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Dia de vitória

cronica deficiente proj fim Manhã fria após noite mal dormida, porém com bons sonhos. Na televisão o jornal anunciava as primeiras notícias do dia e também trazia as primeiras imagens da neblina fria como cartão de visitas do Planalto Central.

Minha mãe já cuidava de mim e preparava o café da manhã. Tudo ao mesmo tempo, pois seu filho tinha de estar bem vestido para o dia de apresentação do Projeto Final do Curso de Técnico em Informática. Algo importante para mim e para ela.

Assim que estava devidamente arrumado, dois amigos vieram me buscar e começamos nossa caminhada de vinte minutos até a escola técnica. No caminho íamos lembrando que estávamos prestes a terminar ou cumprir uma meta proposta que havia começado há dezoito meses. O ritual da caminhada se repetia, porém com ânimo diferente. Íamos enfrentar a banca examinadora.

Ao chegarmos à escola encontramos outros que partilhavam da mesma ansiedade e pudemos sorrir juntos, tremendo de frio e, porque não, de certo temor também, que para piorar, teve o auxílio de nosso professor orientador a nos assustar perguntando se estávamos preparados para a guerra com muito bom humor.

Eu digo que realmente estava nervoso, pois mesmo concluindo as matérias, havia perdido muita aula importante.

Levei um resumo do que deveria falar na apresentação, mas não conseguia ler e para aumentar a tensão o professor pediu para que apresentássemos primeiro e fomos para o auditório que só tem escadas e os mesmos amigos tiveram que me carregar. Aí o medo aumentou. Tenho trauma de escadas.

Apresentamos o projeto com muitos questionamentos da banca e logo depois eles saíram para deliberar. Mais nervosismo e, para não esquecer, tinha a escada para retornar.

O frio na barriga aumentava quando o professor retornou com a ótima notícia de que nosso projeto havia sido aprovado, que precisaríamos ajustar algumas coisas na documentação, mas que já podíamos nos preparar para a formatura. Fomos aprovados!

Agora uma breve reflexão:

Eu quis escrever este texto assim, direto, explicativo e sem reflexões exatamente para descrever a simplicidade e exuberância desta manhã vitoriosa.

Para muitos um curso técnico é somente mais um curso, no entanto, para mim que tenho consciência das dificuldades enfrentadas junto com este caro amigo que me conduzia de segunda a sexta, este curso fora de importância ímpar pelo aprendizado e amizades feitas, pela descoberta de professores incentivadores e, principalmente pela vitória pessoal.

Quanto às escadas?

Perdoem-me os mais críticos, mas hoje quero esquecê-las.

Não sou incapaz, tenho apenas limitações.

Até a próxima!

Angelo Márcio.

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