terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A liberdade das palavras

fff Como é realmente engraçada, ou melhor, curiosa a verdade da máxima que diz que “só procuramos um médico quando estamos doentes”. Não estou abordando este assunto por estar acometido de alguma doença, muito pelo contrário, estou gozando de ótima saúde. Até acordei disposto para a prática esportiva, mas como muito também tem “mas”, faço disso uma brincadeira.

Espero não estar errado ou ser ofensivo. Quis fazer uma brincadeira com minha tetraplegia já que a maioria das pessoas com deficiência que conheço têm bom humor e, como bons brasileiros ou não, fazem piadas e em muitas destas piadas fazem uso de suas deficiências.

Por exemplo, tenho um amigo paraplégico que me chama de “quebrado”, pelo fato de eu ter quebrado a coluna e, em contrapartida, eu o chamo de “chumbado”, devido a um projétil de bala estar alojado em suas vértebras lombares. Pode até parecer humor negro ou sarcasmo, no entanto, não é.

Este foi só um pequeno exemplo e não quer dizer que eu não respeite aqueles cujas brincadeiras podem magoar. O que também não significa que sejam mal-humorados e é com dois comentários de diferenças que quero exaltar a importância de haver tantas pessoas diferentes tanto na forma de ver o mundo, como na maneira de conviver nele.

Hoje, particularmente, brinco com as palavras por gostar de fazer isso; gostar de expressar que em meio à razão, emoção, conflitos e atritos que permeiam minha imaginação ainda há espaço para uma criancice textual,

Aos mais atentos deve estar surgindo a questão:

_ Ele começa falando de médicos, passa por piadas, diferenças, por quê?

Resposta simples e não muito concisa:

_ Porque estou fazendo meus exames anuais, independentemente de doença, e porque eu quis escrever assim. Porque hoje me sinto mais livre, mais fascinado pela vida, bem como pelo que nela é perceptível ou indecifrável. Porque... porque... porque...

Finalmente porque depois de toda esta travessura de palavras repetidas e frases por vezes sem nexo ou compromisso, com respeito e irreverência, em nuança leve como brisa de manhã de verão, convidar a reflexões, imaginar palavras soltas e letras com asas como seres aladas, por fim os pontos, interrogações, virgulas como curvas de pensamento e exclamações para atos pedidos, relatos e também negações para, ao sair deste parágrafo, pedir:

_ ESCREVA O QUE PENSOU AGORA!

Até a próxima!

Angelo Márcio.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Promessas feitas e cumpridas (season finale)

jussa praça2 Seguir em frente, prosseguir, avançar, galgar, nortear... Sinônimos claros e fortes que habitam corpo e mente quando um objetivo é traçado, um alvo é marcado. A explosão vinda da realização, da chegada, do acertar, é uma explosão de sentimentos incontáveis e por vezes antagônicos.

Inicio assim, meio complicado, porque a compreensão completa não cabe ou coube em simples razão humana.

Naquele dia de semana, enquanto descansava do calor deitado em cama simples, com os pés de fora às vezes, travesseiro entre os joelhos para evitar atrito e assim impedir feridas. Deitado e olhando as paredes da pequena sala com porta para um quarto e acesso ao corredor e cozinha a frente. Atrás ficara a porta da sala para possibilitar melhor ventilação e, ao invés de vento, entrou figura calma e conhecida. Uma amiga que estivera comigo e com os outros jovens no dia do acidente. Em seu rosto repetia-se a mesma expressão já vista de espanto e compaixão.

Aqui eu poderia ter usado a expressão “ter pena”, mas minha sábia mãe, em seu bom-humor, sempre dizia que quem tem pena é galinha e em minha humilde experiência de vida, descobri que ter pena é fácil, que olhar e ver o sofrimento, a dor, a dificuldade é em muito acessível. O difícil é ter compaixão que, em significação simples, é o mesmo que sofrer jun to. Atitude para poucos, porém, para os incrédulos, ainda existente.

Essa amiga trazia nas mãos dois convites para um baile que seria realizado no sábado próximo.

E assim teve início meu dia de surpresas. Ela não sabia de minha vontade de ir a um baile. Como poderia saber? Faltam-me respostas.

Ao cair da noite, meu primo e eu, fomos à missa e no caminho de volta, uma avenida larga com altas palmeiras no canteiro central a dividir os sentidos da via em harmonia com suas subidas e descidas.

Não me recordo o porquê, mas fazíamos um silêncio que foi quebrado pela voz de uma senhora que tentava chamar nossa atenção. E conseguiu.

Paramos e ela se aproximou com certa pressa e pedindo desculpas por supostamente nos incomodar. E não fora incômodo algum. Fora surpreendente.

A senhora começou falando que queria nos encontrar porque ela nunca tinha visto um deficiente físico passeando pela cidade e nos confidenciou que cuidava de uma moça, paraplégica, vítima de arma de fogo pelas mãos do próprio noivo, que ela tentava tirá-la de casa sem sucesso e emendou com seu desejo de que eu fosse visitar a moça e a questão era: Onde mora?

Antes de responder é preciso dizer que eu pretendia visitar um tio que morava perto da delegacia da cidade.

Continuando e, para afirmar que já não detinha mais controle sobre o cumprimento das propostas, a resposta da senhora foi assim, com voz feliz e muitos movimentos de mãos:

_ Ela mora em uma casa sem muros, na rua a esquerda da delegacia.

Pausa para situar a razão diante de tal coincidência, providência ou destino, pois, de manhã, recebi convites para um baile e à noite, convite inegável para uma grata visita exatamente na mesma rua em que meu tio morava e, SIM, fiquei surpreso.

E pensar que quase havia desistido...

Quando, no sábado, chegamos à casa da moça, descobri uma pessoa linda, deitada de bruços em uma cama que ficava na sala, certamente aumentada, pois não havia paredes entre ela e a coxzinha. Descobri que aquela moça, por meio de seu trabalho de manicuro, trazia sustento para dois irmãos e sua mãe. Descobri, meses depois, que após a visita ela saiu de casa para passear e foi contemplada com uma casa maior e melhor para viver.

Finalmente, descobri que a visita não teve tanta importância quanto à disponibilidade de estar com ela e mostrar por atos que há continuidade e alegrias.

Para quem possa pensar que me senti bem por ter ido até a moça, engana-se completamente, com ela, caros leitores, muito aprendi.

E o baile?

Tornou-se mero coadjuvante que acabei por ir para em fim dizer:

_ Promessas feitas e cumpridas!

Até a próxima!

Angelo Márcio.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Promessas feitas e cumpridas (Parte 2)

jussara 2 Relembrando aqui que eu já havia cumprido a promessa de retornar ao local do acidente, surpreendentemente as outras propostas se cumpriam como realidade sem controle, como algo que realmente deveria acontecer, mesmo que eu não quisesse fazer  tudo acontecia.

E esse tudo teve início enquanto eu conversava com um primo que, naquela viagem, eu já havia desistido de andar pela cidade, visitar uma pessoa com deficiência e ir a uma festa, quando ele me disse que no outro dia iria com sua namorada, hoje esposa, a um grupo de jovens do outro lado da cidade e que poderiam me levar, pois assim eu andaria pela cidade.

Prontamente aceitei a oferta e marcamos a hora de sair.

No outro dia, dia de domingo, dia das pessoas estarem nas ruas, começamos nossa caminhada. No princípio eu olhava mais para o chão do que para frente. Tinha receio de encontrar outros olhares como o do humilde homem descrito no texto “Saudades de um marujo de primeira viajem”. Então a consciência cobrou fortemente o fato de eu querer estar ali. De querer andar pela cidade e enfrentar a mim mesmo no reflexo dos olhares dirigidos a mim com surpresa, dúvida, questões e preconceitos.

Em hipótese alguma afirmarei que foi fácil, no entanto, posso dizer que enfrentar esta disputa de olhares me fez perceber que eu também tinha preconceito daquelas pessoas e que minha deficiência física não poderia ser pretexto para a comodidade.

Então comecei a sorrir, conversar com mais desenvoltura com meu primo e quem mais se aproximasse e o chão com sua face repetitiva deu lugar ao horizonte, ao balançar das folhas das arvores e ao reflexo diferenciado que agora mostrava uma igualdade sem a névoa dos julgamentos.

Antes de sermos deficientes somos homens e mulheres; somos libertos que podem fazer da condição de deficiente até uma característica, mas nunca, evidencio, nunca mesmo a nossa essência de ser.

Até a próxima,

Angelo Márcio.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Promessas feitas e cumpridas (Parte 1)

cron_def_lago_agua_linpa Oito anos depois de ter saído do hospital e lançado propostas de luta junto com a psicóloga que me acompanhou no dia de saída. Dia em que, sinceramente, tive receio do que me aguardava, já que era um misto de alegria, temor e estranheza que, junto com a falta de ar, quase me fez retornar ao hospital. Como diria Morgan Freeman, em seu personagem, Red, no filme “Um sonho de liberdade, eu me sentia institucionalizado. Filme este que aconselho assistir com calma.

No entanto, busco neste texto e nos próximos, quero focar nos propósitos ou desafios enumerados no post “Passos para enfrentar o desconhecido”.

Vamos lá!

Alguns anos passados do acidente tive a possibilidade de cumprir as seguintes promessas praticamente em uma semana, ou melhor, duas:

- Voltar à cidade de Jussara e visitar o local do acidente.
- Andar pela cidade para enfrentar os olhares.
- Visitar uma pessoa com deficiência na mesma cidade.
- Ir a um baile, festa, algo assim.

Hoje começo pelo local do acidente assim:

No fim da tarde de um domingo minha mãe, um primo e eu, saímos de casa com um roteiro, para muitos, considerado como louco e ainda surgiram pessoas com vontade de me demover de tal idéia, mas o caminho, a rota, já haviam sido traçados e voltar atrás seria mais uma perda e eu estava ávido por aquela vitória.

Continuamos nosso caminho refazendo-o exatamente como no dia do mergulho ou salto para melhor entendimento. As diferenças logo começaram a se mostrar, pois, se havia passado por ali de bicicleta com liberdade incondicional, agora passava em uma cadeira de rodas, liberto nas decisões e condicionado a ter alguém a auxiliar no cumprimento das decisões, ou seja, também preso – sem esquecer que as rodas também semelhanças.

Ao olhar aquela avenida curva com casas de um lado e cercas de arame de outro, buscava sempre o horizonte e ela parecia não ter fim. Enfrentá-la na atual condição de tetraplégico não mais a situava como um caminho para a diversão e sim para uma batalha pela qual esperara, treinara por anos e agora enfrentava sozinho. Mesmo tendo minha mãe e meu primo, era a minha batalha.

Mais adiante passamos sobre a ponte do Riacho Água Limpa.

Era desta de cima desta ponte que tínhamos o hábito de pular, com um frio imenso na barriga e uma vontade de que chegasse logo a água para nadarmos e sorrirmos como quem vence desafios, pois o tempo entre o salto e a água parecia sem fim. Foi isso que pensei sobre a ponte.

Fizemos uma pausa em uma fábrica de laticínios, que em nada havia mudado, para beber um pouco de água bem gelada e creio nem precisar dizer que isso também era feito antes e enquanto nos refrescávamos, um homem se aproximou, com trajes brancos, perguntando a meu primo quem eu era e, rapidamente, ele, o homem, se lembrou que alguém quase havia morrido no riacho há alguns anos e este alguém estava diante dele. Alguém que se manteve no “quase morte”, sem se atentar muito ao que ele falava, pois o foco era o local do acidente.

Por ser assim continuamos a saga e chegamos.

Finalmente chegamos ao local que já descrevi como belo, fatídico, divertido, ponto de mudança e início de nova vida.

O que via agora, em nada tinha semelhança com o local de antes.

A olaria não existia mais, o barranco estava aplainado e a mata destruída por lixo. Mesmo assim pude ver como se o dia se repetisse. Não como um “déjà vu”. Era real! Então a destruição dos desmandos das mãos do homem deu lugar ao belo e vi, claramente, a água em correnteza mansa e seus reflexos de luz; na outra margem a mata e os sons, melodias dos pássaros; crianças a pularem dentro d’água, sorrindo e gritando, somente por gritar, com a liberdade daqueles que podem parar o tempo e trazer para um breve momento a sensação de eternidade e não seria errado dizer que se tornou eterno; também visualizei a palmeira onde depositei a bicicleta, a camisa, meus chinelos e vi meus pés.

Sim! Eram meus pés! Com movimentos nos dedos e a sensibilidade que permitia saber que sob eles havia areia, já que hoje, saindo da realidade vivida e passando para a frieza da atualidade, há uma percepção de vazio. Se é que isso seja possível.

Confesso que queria ter chorado ou dado berros de revolta, mas, estranhamente para mim e muitos outros, isso não ocorreu. O que fiz foi uma oração com minha mãe e meu primo. Nada a mais que isso.

Até os dias atuais não consigo descrever, fielmente, o que senti naquele dia e lugar que de estranho pelas mãos humanas tornou-se acolhedor.

Um lugar que remodelei, transfigurei de “quase morte” para vida certa.

Lugar de onde tirei beleza para ilustrar este texto com bela fotografia e ir além, escrever este breve poema por hora sem título:

LIMITES…
Um caminhar calmo e irreverente.
Um agir por não fazer; 
Um querer por não poder; 
Um local que marca.
INÍCIO...

Vida de tudo que importa,
Comporta,
Corta e por sí aflora. 

Aqui renasci. 
Aqui nem moro.

(Angelo M.)

Até a próxima,

Angelo Marcio.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Salvem as Crianças!

JussaraGO-2 Em uma daquelas noites em que queremos quase tudo menos ficar em casa, saímos em pequeno grupo para o centro da cidade com o intuito de aumentar o colesterol saboreando um “nada” calórico hambúrguer.

Após esta aventura de gula, enquanto voltávamos para casa, uma senhora e uma criança faziam o mesmo percurso pela calçada.

Quando os alcançamos a criança me olhava o tempo todo e, por respeito a ela, a cumprimentei com voz tranqüila e amável:

_ Oi! Tudo bem!?

A criança parou de me olhar e disse a sua mãe:

_ Mãe! O que é “isso”?

Evidentemente percebi que ela se referia a mim em minha cadeira de rodas conduzido por um primo.

De imediato respondi antes da mãe:

_ “Isso” é gente!

E a criança, em sua sabedoria e sinceridade, retrucou rapidamente em tom longo como em música:

_ Não é gente, não!

Depois desta fala da criança não conseguimos conter as risadas, mas percebemos que a mãe falava com rispidez com aquela pedra preciosa que o tempo ainda haveria de moldá-la e pedimos para que não agisse assim, para que apenas tentasse explicar para ela respeitando sua idade.

Essa pequena história me acompanha até os dias de hoje e faço questão de contar e recontar.

Muitas vezes percebemos o preconceito velado nos olhos daqueles que se julgam mais sábios, adultos, experientes e, ao mesmo tempo, incapazes de parar com os julgamentos que fervilham no cérebro e simplesmente perguntar. Como fazem as crianças.

Aqui, certamente, não serei parcial, pois, ao mesmo tempo em que existem aqueles que não querem perguntar, igualmente, há do outro lado aqueles que não querem responder e que, querendo ou não, também formam opiniões.

Para encerrar peço para que soltem fogos de artifício, ergam cartazes e gritem:

_ Salvem as crianças!

Até a próxima,

Angelo Márcio.

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